Crítica: “Emilia Pérez” é musical sem ritmo e superficial

Em meio a polêmicas, o filme “Emilia Pérez” estreia no Brasil em 06 de fevereiro (quinta-feira). A produção do francês Jacques Audiard tem conquistado amplo destaque no cinema mundial, mas apresenta uma potencialidade mal explorada pelo diretor. O filme alcançou 13 indicações no Oscar 2025, sendo a obra de destaque da premiação. O musical morno traz assuntos complexos e tem dividido opiniões com grandes críticas do público.

História

A advogada Rita, interpretada por Zoë Saldaña, esgotada de sua carreira em um escritório mercenário, é buscada por Manitas Del Monte, maior gangster do México, com uma proposta financeira que a deixaria rica. Ao conversarem, ele expõe sua necessidade pela transição de gênero e viver quem realmente é, e pede o auxílio de Rita para organizar o processo sem ser pego. Apesar das consequências, ele alega não poupar recursos para antecipar o processo e dá carta branca à Rita, em meio a ameaças ocultas. Ela aceita.

Ao viajar para a Tailândia em busca do melhor e mais discreto médico para os procedimentos, o público se depara com a pior música do filme. Com uma letra rasa, a canção banaliza a transição de gênero e a reduz à estética, se perdendo na tentativa cômica, e deveras ofensiva, de retratar o processo. Com o êxito das operações, Manitas, agora como Emilia, orienta que Rita leva sua esposa (Selena Gomez) e seus filhos para a Suíça após forjar sua morte.

Anos mais tarde, Emilia novamente procura a advogada, agora bem-sucedida, para trazer sua família para perto, sem revelar sua identidade, além de ajudá-la a reparar minimamente os danos causados em seu passado. Sensibilizada pela crise de consciência de Emilia, Rita concorda em retomar seus negócios e ser seu braço direito, além de auxiliá-la no seu novo projeto social, que busca encontrar os desaparecidos que sua própria gangue matou.

Elenco

Em vias gerais, a atuação do elenco deixa a desejar em boa parte do longa. A escolha por não selecionar atores e atrizes nativos altera todo o desenrolar da trama, em que os diálogos mal desenvolvidos deixam explícito a não fluência em espanhol do elenco. Mesmo com núcleos pequenos para cada personagem, nenhum tem o aprofundamento realmente necessário, deixando diversas pontas soltas nos 130 minutos de filme.

A personagem principal, interpretada pela atriz Karla Sofía Gascón, também é quem interpreta Manitas Del Monte. A caracterização masculina bem feita ganha notoriedade logo no início da trama, e segue com o desenvolvimento de Emilia após a redesignação de gênero.  A atriz tem um bom desempenho ao longo do filme, e sua benevolência quase atrai. A atuação rendeu indicação para “Melhor Atriz” no Oscar, e tem colecionado diversos prêmios desde sua estreia.

Já Zoë Saldaña deixa pontos em aberto ao longo do roteiro. Uma advogada cansada que sonha em formar uma família, mas não explora suas possibilidades ao longo do filme. O filme não esclarece o motivo de Rita ter mais tempo de tela que Emilia, a real protagonista, mas deixa claro a cumplicidade entre ambas.

Jessi Del Monte, interpretada por Selena Gomez, é uma incógnita mal resolvida. Não fica claro se a personagem é mexicana ou estrangeira, visto que em determinados momentos do filme ela mostra seu desejo por voltar aos Estado Unidos com sua irmã. É notório sua paixão por Manitas, e um de seus momentos de glória são os 15 segundos de um choro sentido sobre quando descobre a “morte” do marido. Independente de sua história, a entrega é mínima, e não justifica a atuação robótica, com um espanhol iniciante e mal preparado. 

Polêmicas fora das telas

A produção não é só criticada pela narrativa ou estética. A equipe por trás do longa tem dado entrevistas em que revela ter músicas escritas em francês e traduzidas para o espanhol, sem cuidado com a língua ou ritmo, chegou a dizer que não tem atores mexicanos em destaque por não terem encontrado artistas de qualidade e o próprio diretor não fala espanhol. Audriard afirma não ter estudado o México nem questões pertinentes como os desaparecidos do país, porque diz já saber tudo o que precisava sobre o assunto. O filme ainda usou inteligência artificial para corrigir erros de canto do elenco, incluindo da atriz principal.

E a falta de tato da equipe é visível. O espanhol pronunciado é pouco fluido, as falas parecem artificiais por descuido, e não uma opção estética. A construção de frases é pobre e a entrega do elenco é baixa. Até mesmo Karla Sofía Gascón que é espanhola mostra dificuldade em encontrar o sotaque correto. As cenas se tornam estereotipadas, assim como a visão superficial do diretor sobre um país que desconhece.

E isso não é apenas escolha estética. Os cenários meramente coloridos não conseguem dialogar com a narrativa e parecem simplórios, escolhidos a esmo. As cenas e enquadramentos são óbvias e sem apuro, enquanto as cenas musicais tentam passar uma ideia de originalidade quando, na verdade, são apenas preguiçosas. O filme não tem coragem de se declarar “kitsch”, e quando tenta se levar a sério, também falha, por essa visão pouco aprofundada de Audiard. Assim, cai num limbo de identidade mal construída. Também não se sustenta como musical, pelas construções apressadas de músicas, letras repetitivas e ritmos que não empolgam nem emocionam.

Música

Após a afirmação de que o uso do Chat GPT foi utilizado no desenvolvimento das letras, que foram escritas em francês e traduzidas para o espanhol sem cuidados com contexto ou gírias, entende-se que, em meio ao caos da produção, a realização do trabalho não se torna fácil. Nem a inteligência artificial foi suficiente para salvar os atos musicais de “Emilia Pérez”.

Apesar do elenco contar com atrizes com sólidas carreiras, a má interpretação das canções geradas por Chat GPT não convence a plateia. O uso de softwares para aprimorar a voz dos artistas também se torna ineficaz com a falta de técnica vocal, ressaltando a crítica negativa que vem recebendo.

A indicação de “El Mal” a “Melhor Música Original” também impressiona. A música, que supostamente denuncia e critica os atos corruptos de personagens em um evento beneficente, é totalmente dispensável no filme. Além de não se integrar de forma coesa ao roteiro, não apresenta uma resolução para as acusações que levanta, o tema é esquecido e fica como mais um de vários furos de roteiro.

Já a canção “Para” é ponto positivo para o longa, um dos poucos pontos altos do filme. A cena transmite a sensibilidade dos parentes das vítimas desaparecidas, e, junto à fotografia, cria uma atmosfera tocante, que, em meio a tanta irregularidade, se torna efêmero. 

Técnica

As escolhas do diretor são o principal fator para que o filme não tenha um bom desempenho. O resultado esbarra em uma visão eurocentrista acerca da América Latina, mostrando o desconhecimento necessário de Audriard para retratar uma região rica em cultura. O longa tenta trazer pautas relevantes, como a alta quantidade de desaparecimentos no México, causada por gangues de narcotráfico, identidade de gênero e orientação sexual, contudo, o filme entrega uma obra errônea e superficial acerca de tudo o que se propõe.

*Com Brunow Camman.

O post Crítica: “Emilia Pérez” é musical sem ritmo e superficial apareceu primeiro em Curitiba Cult.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.