Há cinco anos, ruas de Brusque ficaram vazias devido à Covid-19: relembre histórias

Em 17 de março de 2020, o governo do estado de Santa Catarina decretou situação de emergência por causa da pandemia da Covid-19. Uma série de medidas restritivas foi adotada a partir do dia 18, e, no dia 19, foi decretado o fechamento do comércio. Inicialmente, as restrições tinham validade de sete dias, mas a realidade foi muito mais dura.

A doença acabou sendo devastadora para muitas famílias e também teve impactos em muitos negócios, além de ter causado um desgaste psicológico profundo para muitas pessoas e várias mudanças na sociedade como um todo.

Santa Catarina registrou mais de 2,1 milhões de casos e mais de 23 mil mortes devido à Covid-19. Em Brusque, foram 36,1 mil casos e 369 óbitos.

Durante grande parte do período de pandemia, o secretário de Saúde de Brusque foi Osvaldo Quirino de Souza. Ele assumiu o cargo em 2021 e lembra que, no início, todos os profissionais da área viviam sob incerteza.

“Você não sabia se o sistema ia suportar atender tantas pessoas doentes e precisando de assistência respiratória, de uma equipe multiprofissional e ainda sem vacina, ao mesmo tempo. Além disso, lidamos com a evolução desconhecida da doença. Estávamos acostumados com doenças autolimitadas, como gripes e resfriados”.

Ele lembra que, no início, acreditava-se que o vírus era de baixa agressividade, que os pacientes se recuperariam em sete dias e que haveria imunidade de rebanho. “Era algo muito desconhecido, com novidades todos os dias”, destaca.

Osvaldo Quirino de Souza era o secretário de Saúde quando a vacina chegou a Brusque | Foto: Prefeitura de Brusque/Divulgação

Além disso, era necessário um investimento para insumos, equipamentos de proteção individual (EPIs), estrutura e capacitação das equipes de hospitais. Quando a pandemia começou, Brusque tinha oito leitos de Unidades de Tratamento Intensiva (UTI). Pouco depois eram 30 para atender à demanda.

“Havia também muito intercâmbio de UTIs no início. Os doentes tinham que ir para Blumenau e até Curitibanos e Chapecó até que o Azambuja conseguiu se equipar, utilizando recursos estaduais e federais para atender Brusque e região”, destaca.

Força do SUS

Para Osvaldo, uma das lições que foram tiradas de um momento tão delicado foi a força do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Foi um impacto monumental no sistema de saúde. A lição que tiramos é de que o SUS é muito, muito forte. É gigante. Deu conta de atender à demanda. Os pacientes que infelizmente faleceram foram pacientes muito graves, mas que, na nossa região, receberam a assistência médica preconizada para aquele momento. O SUS se mostrou extremamente forte para o atendimento médico e depois para a aplicação das vacinas, que efetivamente acabou com a pandemia”.

Centro de Triagem para pacientes com sintomas respiratórios foi instalado no pavilhão da Fenarreco | Foto: Prefeitura de Brusque/Divulgação

Durante o seu período como secretário, alguns momentos da pandemia marcaram de forma mais forte para Osvaldo. O primeiro deles foi a criação do Centro de Triagem no pavilhão da Fenarreco.

“Conseguimos instalar aquela estrutura, que funcionava diariamente. Precisamos fazer a contratação de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, etc. A inauguração desse centro foi muito impactante. Conseguimos rapidamente capacitar os profissionais e organizar a logística”.

A outra foi a chegada da vacina. “Foi maravilhoso receber aquela notícia. O que impactou também foi a briga por vacinas entre os municípios, houve inclusive judicialização na disputa por vacinas, de pessoas que entenderam que tinham direito de se vacinar antes. Cheguei a responder a ações judiciais. E vivemos também um ambiente político desfavorável, polarizado, com a ciência colocada em xeque”.

Reflexos no pós-pandemia

Como um médico inserido no ambiente político, Osvaldo também precisou lidar com as pressões de correntes anticiência durante o período.

“Senti muito politicamente por causa de grupos que eram contra as determinações das autoridades, eram anticiência, antivacina, que diziam que a pandemia foi inventada e que acreditavam em tratamentos alternativos. Tive muitos desafios, mas nos mantemos firmes no caminho da ciência. Nos preparamos para os casos mais graves, que demandam atendimento hospitalar, e também para atendimentos em massa e para a vacinação. Tudo isso em um ambiente político extremamente hostil e contrário à nossa matéria de atuar. Foi um período de muito estresse. Eram muitas informações desencontradas e fake news. Demandou, além de conhecimento científico, muita diplomacia”.

Chegada da vacina foi um dos marcos da pandemia para o ex-secretário Osvaldo Quirino de Souza | Foto: Bruno da Silva/Arquivo O Município

Na visão do ex-secretário, o trabalho realizado na cidade durante a pandemia tem reflexos nas melhorias da estrutura do sistema de saúde até hoje.

“Não tenho dúvidas de que o sistema de saúde da cidade está mais estruturado desde então. Nos capacitamos mais. Esses leitos de UTI criados durante a pandemia não foram desativados. Hoje temos 30 leitos no SUS, com a perspectiva de abrirmos mais. O município trabalhou muito forte na Covid, o que rendeu maior reconhecimento dos governos, o que também nos trouxe mais recursos. O ganho, no meio dessa tragédia toda, foi exponencial”.

Na linha de frente

O médico Rafael Bernardi Franceschetto era coordenador do pronto socorro e ambulatório do Hospital Azambuja, e também supervisionava 19 leitos de UTI para Covid. Ele afirma que o primeiro desafio foi estabelecer protocolos de rotina e treinar as equipes para enfrentar a pandemia. 

“A rotina de trabalho foi extenuante, em média 450 horas por mês de plantão e dedicação integral por quase dois anos”, afirma o profissional. 

“Montamos uma força tarefa incansável. A saúde mental se manteve estável graças à fé em Deus e o apoio de familiares, juntamente com a vontade de cumprir o juramento de proporcionar o melhor cuidado possível com o que tínhamos disponível”.

Ele relembra que, horas antes de iniciar a jornada de trabalho com a implantação dos novos protocolos, deu um abraço no filho e fez ligações por vídeo com o pai e a mãe. Rafael considera também fundamental o apoio recebido pela esposa antes de iniciar o combate à doença na linha de frente.

“Profissionalmente me sinto honrado de poder ter feito parte desta equipe, que se tornou nossa família em todos os sentidos. Além de proporcionar conforto, informação e cuidado nesse momento ímpar da nossa história. Agradeço a Deus e à nossa senhora pela força e persistência”. 

Por fim, o médico pondera que, para ele, o sistema de saúde saiu mais fortalecido da Covid-19.

Atendimentos durante a pandemia | Foto: Arquivo pessoal

Baque inicial no comércio

Para o comércio, o início da pandemia foi um baque. O restaurante Batata Bistrô, que fica no bairro Guarani e tem uma história longa, que começou com Jaime Cipriani, o Cisco, na segunda edição da Fenarreco, foi um dos diversos estabelecimentos da cidade que passaram por uma revolução durante a pandemia.

Proprietário do Batata Bistrô, André Cipriani lembra que o decreto que determinou o fechamento do comércio foi um baque.

“Foi um turbilhão de sentimentos ruins: nervosismo pelo negócio, ansiedade, revolta inicialmente. Você não via uma saída. Os negócios passam por crises, é normal, porém nunca a ponto de ser impossibilitado de trabalhar”.

No primeiro dia de fechamento total, que só era permitido retirada e foi uma loucura em supermercados, o Batata Bistrô vendeu apenas seis batatas recheadas a noite toda. “Me gerou um desespero. Cheguei em casa contando para minha esposa que eu não sabia o que fazer”

Ele conta que teve o apoio da equipe, que se colocou à disposição e entendeu a situação que o negócio vivia, o que foi essencial para o negócio.

“Permanecemos nas duas primeiras semanas só com retirada no balcão, já que não tínhamos delivery. Acredito que, para todo mundo do ramo, foi especialmente difícil essas duas primeiras semanas, já que as pessoas tinham corrido para o supermercado”.

André Cipriani, do Batata Bistrô | Foto: Arquivo Pessoal

Adaptações

Passado esse impacto inicial, porém, a empresa se adaptou para atender ao que o momento pedia. André conta que tinha restrição em trabalhar com entregas pelo zelo em manter a qualidade do produto, mas encontrou um caminho.

“Consegui me organizar, inclusive mentalmente, para atuar no delivery, já que nosso produto precisava de uma embalagem específica para manter a qualidade. Também consegui motoboys, que estava difícil, e estruturar rotas e também me alinhar com aplicativos de entrega”.

O maior desafio, na sua visão, foi encaixar esse novo modelo de logística para o estabelecimento.

“Não é tão simples quanto parece, envolve muitos detalhes e fatores. Para o meu negócio, sempre fui contra o delivery, então nunca me preocupei com isso, mas precisei sair da zona de conforto. Foi também muito difícil montar uma equipe de motoboys, porque a maioria dos experientes já estava empregado. Era uma infinidade de coisas novas para mim. Hoje, é uma coisa natural e faz parte da nossa operação”.

Nas três primeiras semanas, houve uma queda absurda de vendas, mas, a partir daí, as pessoas voltaram a consumir delivery. “Tive alguns dias de recorde de vendas. As entregas estavam em um volume incomum, acho que foi assim para a maioria dos estabelecimentos. Às vezes, não dávamos conta”.

Uma das coisas que André conta que aprendeu foi que uma empresa sólida não é a que fatura muito dinheiro, mas sim a que tem dinheiro em caixa.

“Não tínhamos dívidas e conseguimos manter a Batata Bistrô funcionando mesmo sem faturar. Era uma lição que eu já tinha aprendido, mas que eu não tinha colocado em prática até então. E outra foi que precisamos manter a cabeça aberta a novos desafios e não podemos estagnar para superar os problemas”.

O retorno dos clientes ao estabelecimento foi gradual, o que acabou sendo benéfico para o negócio. “As pessoas ficaram tão acostumadas com o delivery, que, mesmo após a liberação, demorou seis meses para normalizar. Para a gente, foi bom, porque conseguimos nos adaptar com tranquilidade”.

Oportunidade de negócio

Ao mesmo tempo, como é histórico, o brusquense viu na adversidade uma oportunidade de empreender. É o caso da hamburgueria Upper Burger, que iniciou suas atividades em abril de 2020.

Indjanara Hochsprung, proprietária do Upper Burger, conta que o negócio surgiu como uma oportunidade para fazer hambúrguer para os conhecidos.

“Nosso plano sempre foi focar apenas no delivery, sem a expectativa de grandes vendas, já que éramos apenas eu e meu marido, que é meu sócio, trabalhando.”, conta. O marido de Indjanara, Pedro Witkowsky, cursava Gastronomia, mas trancou a faculdade devido à pandemia. “Cozinhávamos muito para os amigos. Com a pandemia, ficamos restritos a isso e aí veio a oportunidade de fazer para mais algumas pessoas”.

Trabalho com máscara no início do funcionamento do Upper Burger | Foto: Arquivo pessoal

O investimento no início foi o menor possível já que eles não tinham certeza de como o negócio seria. Eles surgiram apenas com entregas e um desafio foi conseguir motoboys.

“Na época muitas pessoas que ficaram desempregadas começaram a trabalhar como motoboy para tirar uma grana extra, mas nenhum tinha experiência, não conhecia os endereços certos e a grande maioria nem lidava com comida. Então, por alguns meses, tínhamos poucos motoboys e alguns familiares e amigos entregavam de carro para dar maior vazão aos pedidos”, lembra.

Apesar da incerteza causada pela pandemia, Indjanara afirma que eles nunca tiveram medo de abrir pois sabiam que estavam fazendo o seu melhor. “A pandemia foi muito difícil para muitas pessoas, mas, para nós, foi o momento da decisão das nossas vidas. Hoje geramos mais de 20 empregos na cidade fazendo nossa economia movimentar”.

O Upper Burger hoje tem espaço físico no Centro da cidade, mas ainda mantém o delivery como um dos pontos fortes. “O delivery foi uma porta de entrada para muitos restaurantes e mostrou ao público que é possível desfrutar de comida de qualidade em casa, mantendo os padrões do produto com facilidade. Sempre buscamos ter o melhor produto, com tempo e bom atendimento, facilitando todos os meios de vendas para o nosso consumidor”.

Indjanara Hochsprung e Pedro Witkowsky, proprietários do Upper Burger | Foto: Arquivo pessoal

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Kai-Fáh: Luciano Hang foi dono de bar em Brusque, onde conheceu sua esposa:
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