Projeto de Lei em BH propõe internação involuntária de dependentes químicos; especialistas criticam

O vereador Braulio Lara (Novo) protocolou na Câmara Municipal um projeto de lei que regulamenta a internação involuntária de dependentes químicos em Belo Horizonte. A proposta prevê que o tratamento ocorra dentro da rede de atenção à saúde, com prioridade para atendimento ambulatorial, mas permitindo internações em unidades de saúde e hospitais gerais. Para o parlamentar, o projeto oferece, inclusive, uma solução para o problema da população em situação de rua.

Clique no botão para entrar na comunidade do BHAZ no Whatsapp

ENTRAR

Segundo o projeto, a internação será voluntária quando houver consentimento por escrito do dependente. Já a internação involuntária poderá ser solicitada por um familiar ou responsável legal. Na ausência desses, a requisição poderá ser feita por servidores públicos da saúde, assistência social ou órgãos ligados ao Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas.

Lara justifica a proposta dizendo que “muitos dependentes encontram-se em situação de vulnerabilidade extrema, sem discernimento para buscar tratamento de forma voluntária, o que justifica a necessidade da internação involuntária como medida excepcional”.

“Ao prever que a internação involuntária possa ser solicitada por familiares ou, na sua ausência, por servidores públicos das áreas da saúde, assistência social ou órgãos públicos que menciona, a proposta permite que o poder público atue de forma mais eficaz no amparo a essas pessoas, evitando a perpetuação de situações de abandono, degradação e risco social”, completa o texto.

“Estamos oferecendo uma solução para o problema da dependência química, muito frequente entre a população em situação de rua, visando a recuperação e reinserção social dessas pessoas. Durante a CPI Pop Rua percebemos que grande parte dos ‘moradores de rua’ apresenta esse vício, e precisamos dar encaminhamentos efetivos, pois sabemos que o cidadão que é dependente químico muitas vezes não possui mais condição de discernimento, sendo necessária a intervenção do Poder Público”, afirma Lara.

A medida deve ser autorizada por um médico e baseada em um laudo que comprove risco à integridade física do dependente, de terceiros ou da coletividade.

O texto estabelece ainda que a internação involuntária será realizada exclusivamente em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares. A alta médica ocorrerá quando cessarem os motivos que justificaram a internação ou por decisão da equipe responsável pelo tratamento. As despesas decorrentes da aplicação da lei serão custeadas pelo Fundo Municipal sobre Drogas (FUMSD).

Constitucionalidade

A Lei 13.840/2019, também conhecida como Nova Lei de Drogas, autoriza a internação involuntária de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial. Para a vice-presidente da OAB, Núbia de Paula, a medida é legal, desde que esteja fundamentada em três pilares: interesse publico, proteção do indivíduo e o equilibrio entre liberdade e o bem estar coletivo.

“O liame entre o que é lícito e o que seria uma higienização depende da razoabilidade, da proporcionalidade e da motivação que esse projeto vai trazer. Eu, como jurista, não acredito em projetos como esse, que não nascem de uma discussão onde a sociedade é ouvida. Projetos como esse precisam passar por uma audiência pública”, sugere.

Arthur Guerra, doutor em Direito Público pela PUC Minas, explica que a legislação brasileira determina que o município pode legislar apenas de maneira suplementar sobre ações de saúde pública, inclusive sobre tratamento de dependentes químicos, desde que previstas as normas previstas em âmbitos federal e estadual.

O jurista avalia que, no caso do projeto do vereador Bráulio Lara, a proposição, embora esteja alinhada, em parte, com a lei 11.343/2006, que permite a internação involuntária, desde o que laudo médico seja fundamentado, e, ainda, com a lei 10.216/2001, que garante direitos às pessoas com transtornos mentais, incorre, em um dos artigos, em risco de ser barrado por ser inconstitucional.

“O artigo 4º estabelece que o Poder Público Municipal providenciará todos os meios necessários para internação involuntária. Vale dizer, então, que essa determinação impõe uma obrigação concreta ao Executivo Municipal, vinculando a administração à adoção de determinadas ações como, por exemplo, o deslocamento, o custeio, logística, mobilização de equipes, criando verdadeiras funções e atribuições aos órgãos da prefeitura e, por isso mesmo, invadindo as atribuições próprias no princípio da separação entre os poderes”, explica.

De acordo com o especialista, esse tipo de comando, quando parte do Legislativo, ele incorre num ofício formal de iniciativa porque, nesse caso, compete exclusivamente ao Poder Executivo, através do seu chefe, propor normas que disponham sobre a organização dos serviços públicos, execução de serviços de saúde pública, estrutura da administração pública, suas funções. “Violar essa regra compromete a validade da lei”, defende Arthur.

Incapacidade dos dependentes

Sobre os argumentos em relação à incapacidade que os dependentes, inclusive pessoas em situação de rua têm, de decidirem sobre tratamento, os especialistas avaliam que o tema exige muito cuidado, sobretudo, porque se refere a direitos fundamentais da pessoa humana e quando a gente situação assim, a internação involuntária, por sua própria natureza, restringe a liberdade individual, podendo ser admitida apenas em situações muito excepcionais, quando, de fato, estiver em risco a vida do dependente ou de terceiros.

“Mais do que um procedimento médico, a gente reconhece como uma medida de privação da liberdade, o que exige uma proporcionalidade, necessidade de avaliação individual, respeitando um devido processo legal, substancial e formal. A condição de a pessoa estar em situação de rua, por si só, não pode justificar a internação compulsória. Pobreza não é sinônimo de incapacidade”, avalia Arthur.

A vice-presidente da OAB, Núbia de Paula, também questiona a justificativa de que dependentes químicos são incapazes de buscar tratamento: “Esse argumento é falacioso, porque o próprio Código Civil não reconhece a incapacidade dessas pessoas. Se essas pessoas têm discernimento ou não, isso teria que ter passado por um processo de interdição em ação conjunta com o Ministério Público para entender tudo isso. Eu não posso presumir a incapacidade de alguém. Não é porque uma pessoa é vulnerável, que ela não tem direito de decidir”. diz.

O post Projeto de Lei em BH propõe internação involuntária de dependentes químicos; especialistas criticam apareceu primeiro em BHAZ.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.