
No imaginário popular, o Leão do Imposto de Renda é feroz e imparcial, tratando todos os contribuintes com o mesmo rigor. Mas a realidade é bem diferente — especialmente no Congresso Nacional.
Enquanto o trabalhador comum entrega até 27,5% de seus rendimentos ao fisco, deputados e senadores vivem um cenário de tributação altamente favorável, chegando a pagar apenas 7,5% de seus ganhos efetivos. E o mais surpreendente: tudo dentro da legalidade.
Essa discrepância, embora prevista em lei, revela um modelo fiscal desigual e injusto, no qual quem cria as regras se beneficia de exceções. A estrutura atual do Imposto de Renda no Brasil favorece parlamentares com isenções que não estão acessíveis à maior parte da população.
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Quanto ganha um deputado federal em 2025?

A partir de fevereiro de 2025, o salário-base de um deputado federal ou senador é de R$ 46.366,19. Um valor já muito superior à realidade da maioria dos brasileiros. No entanto, esse valor é apenas a ponta do iceberg.
Benefícios que aumentam (e muito) a renda mensal
Além do salário, os parlamentares recebem:
- Auxílio-moradia: R$ 4.253,00 mensais;
- Cota para o exercício da atividade parlamentar: varia de R$ 30 mil a R$ 50 mil, dependendo do estado de origem;
- Diárias de viagem: R$ 842,00 por dia (em viagens nacionais);
- Reembolsos médicos: sem limite de valor.
Rendimentos totais ultrapassam os R$ 93 mil
Somando salário, auxílios, diárias e cotas, um parlamentar pode embolsar mais de R$ 93 mil por mês. No entanto, grande parte desses valores está isenta de tributação, pois são classificados como “verbas indenizatórias”.
Afinal, o que são verbas indenizatórias?
Verbas indenizatórias são valores pagos para reembolsar despesas relacionadas ao exercício da função parlamentar, como transporte, alimentação, hospedagem e saúde. A lei considera essas verbas não tributáveis, sob o argumento de que não representam acréscimo patrimonial.
Mas, na prática, essas verbas:
- São valores fixos mensais (e não necessariamente usados);
- Têm pouca ou nenhuma fiscalização quanto ao uso real;
- Representam uma remuneração disfarçada, pois aumentam a renda líquida do parlamentar.
Enquanto o trabalhador comum paga IR sobre qualquer rendimento, os parlamentares recebem parcelas significativas de forma isenta.
Cálculo da carga tributária efetiva

Um deputado que recebe R$ 46 mil de salário tributável, com alíquota máxima de 27,5%, pagaria cerca de R$ 12.500 de Imposto de Renda.
No entanto, como os demais R$ 45 mil mensais são isentos (verbas indenizatórias), a carga tributária real sobre os R$ 93 mil mensais é de aproximadamente 7,5%.
Comparativo com um trabalhador comum
Um brasileiro que recebe R$ 15 mil por mês paga cerca de R$ 3.500 de IR, o que representa mais de 23% de carga tributária efetiva — sem benefícios, sem diárias, sem cotas.
A desigualdade tributária é legal, mas é ética?
O modelo atual não fere a legislação, mas levanta sérias dúvidas sobre sua moralidade. Afinal, se os legisladores estão isentos de tributar parte de seus ganhos, como podem aprovar leis que penalizam ainda mais o contribuinte comum?
Um privilégio que contribui para o abismo social
A estrutura tributária brasileira é conhecida por ser regressiva, ou seja, quem ganha menos paga mais proporcionalmente. E o caso dos parlamentares escancara esse desequilíbrio:
- Os mais ricos e poderosos pagam menos imposto;
- Os que vivem do salário, sem isenções, carregam a carga fiscal do país.
O papel da reforma tributária nessa discussão
Nos últimos anos, o Brasil avançou em debates sobre a reforma tributária, mas ainda há um ponto cego: os privilégios fiscais dos parlamentares.
O que deveria mudar?
- Tributação das verbas indenizatórias acima de um valor limite;
- Fiscalização rigorosa do uso dessas cotas;
- Fim de reembolsos ilimitados, especialmente com recursos públicos;
- Igualdade de tratamento tributário, independentemente do cargo.
Justiça tributária começa pelo topo
Não basta simplificar o sistema ou mexer em alíquotas de consumo. Uma reforma justa precisa atacar privilégios e tornar a carga tributária proporcional aos rendimentos reais.
Se os legisladores querem ser respeitados, devem dar o exemplo e se submeter às mesmas regras fiscais que impõem aos cidadãos.
Por que o contribuinte comum deve se preocupar?
Porque quem paga a conta é a população. A isenção de parte dos rendimentos parlamentares gera:
- Menor arrecadação de impostos;
- Mais pressão sobre os tributos cobrados da população;
- Desconfiança institucional e aumento da sensação de injustiça.
O que dizem os especialistas
Economistas e tributaristas são unânimes em afirmar que a carga tributária deve ser proporcional aos ganhos reais. Isentar verbas que, na prática, funcionam como remuneração é:
- Uma brecha legal que compromete a equidade fiscal;
- Uma forma de perpetuar desigualdades estruturais;
- Um obstáculo à credibilidade do sistema tributário.
Pressão social pode mudar o cenário?

Sim. Transparência e pressão pública são fundamentais para modificar privilégios arraigados.
Caminhos possíveis para mudança
- Projetos de lei que proponham tributação de verbas extras;
- Ações populares e campanhas de conscientização;
- Mobilização nas redes sociais, exigindo fim dos privilégios fiscais;
- Debate nas eleições, cobrando postura dos candidatos sobre o tema.
O Leão precisa rugir para todos
A estrutura tributária brasileira precisa de reformas profundas — e essas reformas devem começar pelos gabinetes de Brasília. A desigualdade fiscal entre representantes e representados é insustentável e fere os princípios básicos da justiça e da ética.
Se queremos um país mais justo, não podemos aceitar que aqueles que fazem as leis escapem dos próprios tributos que impõem ao povo. O Leão do Imposto de Renda deve ser imparcial — e rugir também para quem aprova as leis, não apenas para quem é obrigado a cumpri-las.