De Rua do Passinho para a Campos Sales

Ainda durante o período colonial, passado o início do processo de ocupação urbana de Belém em torno do Forte do Presépio, o desenrolar das décadas no século 17 foi marcado pelo surgimento de uma nova área de ocupação no sítio urbano de Belém, a região que ficou conhecida como Campina. É justamente nela que a capital paraense viu surgir uma rua que ainda hoje mantém uma grande importância histórica, a travessa Campos Sales.Nas primeiras décadas após a fundação de Belém, em 1616, o raio de ocupação urbana na cidade se concentrou em torno do Forte do Presépio, a partir de onde vão surgir as primeiras ruas do que viria a se tornar a capital paraense. No segundo momento, uma nova ocupação começa a surgir, dando origem ao que se conhece hoje como Campina. Neste momento, portanto, o doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, explica que Belém mantinha duas grandes concentrações urbanas, uma era chamada de Cidade, onde hoje é a Cidade Velha, e do outro lado do Igarapé do Piri, a área chamada de Campina.“A Cidade, hoje Cidade Velha, vai concentrar o núcleo militar, o núcleo religioso e urbano. Mas com a chegada das ordens religiosas no Pará, começa a haver também uma necessidade de ocupar outros sítios, outros lugares, até porque nesse núcleo inicial da cidade já havia a presença dos Jesuítas, no que hoje a gente conhece como a Igreja de Santo Alexandre”, contextualiza.

Conteúdos relacionados:Ruas históricas: tudo sobre a avenida Pedro Álvares CabralSérie “Ruas Históricas de Belém” homenageia a capital“Então, com a chegada de outras ordens religiosas vão se ocupando outros espaços de Belém, principalmente na região da praia, onde vai ser o início da Campina. Vai se criar o Convento dos Mercedários e, mais a frente, o Convento dos Capuchinhos, que é a Igreja de Santo Antônio. Então, no entorno desses conventos e igrejas vai começar a surgir uma primeira via, que é a Via dos Mercadores, e que vai dar origem à Campina”.A partir da Campina e dessa grande via que vai surgir com essas igrejas, vão surgindo também as travessas. Segundo o professor, é nesse sentido que já a partir dos séculos 17 e 18 já se consegue identificar que foram surgindo novas ruas e uma dessas ruas que vão aparecer no entorno da região da Campina vai ser a Campos Sales, mas que no contexto colonial ainda não tinha esse nome.“Ela era uma rua chamada de Rua do Passinho, chamada assim por conta da construção de um prédio no perímetro que hoje é entre a travessa 3 de Maio e a Senador Manoel Barata. Foi construído nesse perímetro, um importante conjunto de edifício residencial e, ao lado, uma capela particular, que foi feita por uma família muito importante do final do século 18”.Integrava essa família um português chamado Ambrósio Henriques, que chegou ao Pará na segunda metade do século 18 e se tornou um importante comerciante. É ele quem irá construir, no que hoje é a travessa Campos Sales, a sua residência e, ao lado, uma capela que vai ficar conhecida a partir do século 18 e início do século 19 como Capela Pombo. “Era, na verdade, uma capela em alusão ao Nosso Senhor dos Passos, mas que ficou conhecida como Capela Pombo porque era de propriedade privada da Família Pombo. Ela passa a ser uma importante capela nesse cenário colonial do século 18 e do século 19”.Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no WhatsappAmilson Pinheiro esclarece que até hoje há uma série de discussões que consideram que a capela possui traços do grande arquiteto italiano que esteve no Grão-Pará, Antônio Landi, porém, o professor reforça que essa informação não é muito fechada.“Não há um estudo preciso, mas a maior parte dos autores como Leandro Tocantins, Augusto Meira Filho, entre outros, apontam que essa capela ela teria sido construída por volta de 1790. E a partir do final do século 18 e início do século 19, ela passa a fazer parte desse cenário religioso, principalmente na Semana Santa. Então, como ela foi construída em homenagem a Nosso Senhor dos Passos, essa rua vai passar a ser conhecida popularmente como Rua do Passinho”.Ainda neste contexto, quando ocorre o aterramento do Igarapé do Piri, por volta do início do século 19, a região da Campina passa a vivenciar um crescimento urbano ainda maior. Diferente de hoje, naquela época a travessa Campos Sales ainda detinha uma característica principalmente residencial.“Se a gente for observar essa história da rua, a gente vai perceber que nos séculos 18 e 19 ela esteve mais ligada a uma função residencial e também, em uma escala menor, religiosa, marcada pela Capela Pombo e por outras igrejas que a circundavam, como a Igreja de Sant’Ana, a Igreja do Rosário dos Homens Pretos e a Igreja das Mercês. Então, ali nos séculos 18 e 19 ela está muito ligada a um uso mais residencial e religioso, tanto é que a homenagem ao nome da rua se dá através de uma capela particular, a Capela Pombo que estava anexa a uma residência. O uso comercial vai se intensificar a partir do século 20”.TRABALHO

Quando o comerciante Abílio Mourão, 71 anos, passou a ter a travessa Campos Sales como endereço de trabalho, a vocação da via já era o comércio. Na ótica instalada ao lado da Capela Pombo e de frente para o Arquivo Público do Estado do Pará, ele lembra que a rua passou por transformações ao longo dos 26 anos de atividade no local.“O que mais mudou foi o movimento, que antes era bem maior. Eu comecei trabalhando com peças para relógios e depois tive que migrar para a ótica porque a procura pelos consertos de relógio já não era como antes. Mas como eu tenho clientes fixos, vai dando pra compensar”, conta, ao falar que outro aspecto também impactou o movimento no trecho em que trabalha. “Quando a Capela dos Passos ainda era aberta, também vinha muita gente aqui rezar. Ficava uma caixa com umas velas e as pessoas depositavam uma moeda e pegavam as velas para acender aqui mesmo. Mas depois que a capela fechou, acabou esse movimento também”.Campos SalesInicialmente chamada de Rua do Passinho, a travessa teve seu nome modificado para Campos Sales em homenagem a um ex-presidente da República do Brasil. O historiador Amilson Pinheiro explica que na virada do século 19 para o século 20, o Brasil passou por uma mudança de regime político, saindo a Monarquia e entrando a República, a partir de 1889. E como essa República chega a partir de um projeto civilizatório e modernizador de nação, muitas cidades brasileiras passaram por uma série de reformas urbanas e Belém foi uma delas. “É quando há melhorias sanitárias, calçamento de vias, embelezamento das cidades. Tanto é que a gente chama esse período do final do século 19 e início do século 20, que é o período em que a República está sendo consolidada, de Belle Époque”.O professor explica que, neste período, Belém passou por esse embelezamento, por uma preocupação pela criação de um código de postura para se viver na cidade e as ruas vão passar por melhorias. “Nesse sentido, a República brasileira vai começar a ter um impacto muito grande na vida das pessoas e em 1898 assume a Presidência da República o Manoel Ferraz de Campos Sales”, aponta. “Era um advogado, fazendeiro de café de São Paulo e político que assume a Presidência da República em 1898 e fica na função até 1902”.A administração de Campos Sales foi marcada por uma austeridade administrativa e financeira muito grande. “Ele pega a República recentemente inaugurada no Brasil com uma crise fiscal, inflação alta, dívidas e ele vai colocar como prioridade do seu mandato, da sua gestão, essa questão da austeridade nas contas públicas: o pagamento de dívida externa, diminuição da inflação e vai fazer uma série de concessões à iniciativa privada, vai fazer empréstimos para o pagamento dessas dívidas, mas dando como garantia uma série de serviços públicos, tanto é que o Campos Sales tem uma característica bem liberal”.Campos Sales acaba dando uma contribuição grande para a estabilidade do Governo na época. “Como em Belém, no final do século 19 e início do século 20, havia como Intendente Municipal o Antônio Lemos, que era ligado a essa ideologia republicana, depois do falecimento de Campos Sales alguns anos depois do fim do seu mandato vão oficializar a mudança do nome da travessa, que deixa de ser conhecida como Rua do Passinho e passa a ser conhecida como travessa Campos Sales, em homenagem a esse Republicano que ocupou a Presidência da República”.

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