Edifício Acaiaca: o prédio da estátua indígena com um bunker da 2ª Guerra

Em meio ao turbilhão de pessoas, carros e informações do hipercentro de BH, uma porta discreta cercada por lojas de marcas famosas surge para quem circula no quarteirão da avenida Afonso Pena com as ruas Espírito Santo e Tamoios. A fachada não é chamativa, mas alguns evidenciam um passado de glamour. Dentre eles, uma porta pantográfica dourada e uma parede com mármore aurora pérola apicoado, um estilo de corte raro de se encontrar atualmente. A entrada, hoje modesta, é a guardiã de um conglomerado de concreto que guarda histórias suficientes para escrever um livro tão grande quanto os seus 120 metros de altura. Lá está o edifício Acaiaca, um dos principais prédios da capital mineira.

Clique no botão para entrar na comunidade do BHAZ no Whatsapp

ENTRAR

Nesta reportagem, que abre uma série do portal BHAZ sobre edifícios icônicos de Belo Horizonte, você vai conhecer detalhes do endereço que guarda duas esculturas gigantes de figuras indígenas na fachada, um dos elevadores mais rápidos da cidade e que, a partir de janeiro de 2025, vai abrir ao público a visitação ao abrigo antiaéreo construído na Segunda Guerra Mundial.

O edifício Acaiaca

Por trás da construção do Acaiaca existe uma história que poderia ser resumida com palavras-chave que, juntas e sem contexto, fazem pouco ou nenhum sentido: igreja, proposta em nível de jogador, cristais e tribo indígena. Estes são os termos que puxam a fundação do edifício. 

O gigante de concreto começou a ser erguido em 1943, época em que as mulheres ainda se acostumavam com o direito de voto, então conquistado há apenas 11 anos. 

Na avenida Afonso Pena, os prédios podiam ser contados nos dedos. Dois grandes corredores de grandes árvores chamavam mais atenção que as poucas edificações. Por ali ainda existiam trios de bondes que transportavam a população para o epicentro político, social e econômico da cidade que tinha apenas 46 anos de existência e cerca de 240 mil habitantes.

O encontro da Afonso Pena com as ruas Espírito Santo e Tamoios era estratégico. Estava próximo à sede do executivo, ao Parque Municipal e em frente ao Santuário São José, importante representante da fé católica na cidade. 

A esquina, até então, abrigava a primeira Igreja Metodista de Belo Horizonte, base da crença protestante na capital mineira.

“Um belo dia o empreendedor Redelvim Andrade passou em frente ao quarteirão e percebeu que aqui caberia um prédio bem gigante e completo. Então, ele fez uma proposta irrecusável para a Igreja Metodista. Sabe aquelas propostas de clubes de futebol europeus para os nossos craques brasileiros? A do Redelvim foi igual. Foi considerado, na época, o maior negócio imobiliário desde a construção da capital”, conta Antônio Miranda, síndico do edifício há oito anos e autor do livro ‘Acaiaca, Um Colosso Humano e Concreto’.

Andrade deu ao genro dele, o arquiteto Luiz Pinto Coelho, a missão de projetar o desejado arranha-céu. O prédio começou a ser erguido em 1943 e foi entregue por etapas, até 1947. 

“Isso foi um marco porque o Acaiaca, durante um curto período de tempo, foi considerado o prédio mais alto do Brasil”, comenta o arquiteto Alexandre Fraga.

A referência estética escolhida para o projeto foi a do Art Déco, muito em voga na época. Ela trabalha formas geométricas, linhas retas, além do uso de madeira maciça, pedras, ferros e peças luxuosas. Mas aqui o estilo europeu ganhou ares de brasilidade.

“A versão brasileira, que temos no Acaiaca, tem um estilo marajoara. Mistura um pouco do folclórico”, comenta o arquiteto.

Como exemplo, Fraga cita as duas esculturas gigantes de figuras indígenas cravadas na fachada do prédio. Acredita-se que as imagens, assim como o nome do edifício, foram inspirados na tribo indígena Acaiaca, povo que teria vivido nas redondezas de Diamantina, cidade do Vale do Jequitinhonha mineiro onde nasceu Redelvim Andrade. As lendas caracterizam o grupo como valente.

De acordo com Antônio Miranda, esta não é a única referência de Andrade no projeto do prédio. No 30º andar do edifício foi construída uma cúpula de vidro gigante que reproduz o formato de um cristal. “Redelvim vendia cristais e era chamado de Rei dos Cristais”, conta.

A imponência e localização estratégica do prédio atraiu importantes empresas para o edifício comercial. Lá foi o local escolhido para ser sede da TV Itacolomi, primeira emissora de TV mineira, fundada pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand. A equipe do canal, que também foi um dos pioneiros no país, ocupava dois andares do Acaiaca.

Escritórios de advocacia, contabilidade, escolas, repartições públicas e clínicas médicas também se instalaram no gigante de concreto. “Antigamente tinha loja de roupas femininas muito famosa na sobreloja que realizava desfiles para as damas da época”, recorda-se Antônio Miranda, que conheceu o prédio ainda na infância. “Muitas pessoas famosas já passaram por aqui. Dentre eles, Roberto Carlos e muitos jogadores de futebol”, completa.

O condomínio já teve cinema e até boate. Hoje, além dos escritórios e empresas, uma igreja funciona onde antigamente era a sala de exibição de filmes. O prédio tem cerca de 500 salas. De acordo com a administração, antes da pandemia, cerca de 8.000 pessoas passavam por lá diariamente. Atualmente, são cerca de 5.000 mil. Mesmo com a redução, a quantidade ainda é maior do que a população de 247 cidades mineiras.

Para facilitar o transporte dessa “população” que frequenta o condomínio, segundo a administração, os elevadores são alguns dos mais velozes da cidade, subindo 25 andares em 20 segundos.

O Edifício Acaiaca foi tombado como patrimônio cultural de Belo Horizonte em 1995.

Um bunker antibombas no Centro de BH

O bunker, como é chamado o espaço de proteção contra bombardeios, tem 200 metros quadrados. Ele foi feito para garantir a segurança de aproximadamente 300 pessoas, mas nunca foi usado para esta finalidade.

“O Acaiaca foi construído em plena Segunda Guerra. Nesta época, o então presidente Getúlio Vargas havia emitido um decreto obrigando a construção de bunkers em todos os novos prédios grandes do país. Eu, particularmente, acredito que ele fez isso mirando os prédios das cidades litorâneas, mas isso acabou afetando Belo Horizonte também”, comenta Antônio Miranda, síndico do condomínio.

Nestas quase oito décadas, o espaço ficou vazio por um bom tempo. Quando usado, serviu de depósito para guardar objetos e quinquilharias.

O espaço é formado por uma antecâmara para descontaminação, quatro compartimentos que são chamados de células e túneis secretos, conforme explica Alexandre Fraga, arquiteto responsável pela revitalização do espaço.

“O bunker foi montado de acordo com projetos divulgados em duas revistas de engenharia da época. Elas previam que um abrigo deveria ter uma antecâmara para a pessoa ficar em caso de contaminação, além de ventilação natural ou mecânica. Se fosse mecânica, como a nossa, era necessário ter um exaustor com filtros contra armas químicas”, detalha.

A ideia de abrir o bunker veio a partir de um projeto da administração para resgate cultural, turístico e econômico do Acaiaca e do entorno do prédio. Com exceção de dois dos quatro compartimentos, todo o forte subterrâneo vai ficar disponível para visitação. 

Pinturas nas paredes trazem imagens de soldados, rosas e crianças. “O nosso objetivo é trazer elementos que arremetem à atmosfera da guerra, mas sempre com um tom de esperança”, comenta Márcio Crivellari, um dos responsáveis pelo espaço.

Lá dentro, os visitantes farão uma viagem no tempo e vão descobrir os segredos por trás da estrutura.

“O visitante também vai poder conhecer as saídas de emergência. Uma delas cai na rua Tamoios. Tem um túnel, que dá em um bueiro e chega a uma das entradas do condomínio. A pessoa vai poder ver isso tudo”, adianta Fraga.

Durante as obras, a equipe tentou desvendar o mistério de uma outra passagem. “Depois do hall do edifício existe um fosso bem fundo, onde tem um túnel em que a gente consegue andar por cerca de dois metros até a uma parede que fecha o espaço. Ouvimos histórias de que este túnel iria sair na Praça Sete, mas não conseguimos confirmar o projeto”, detalha.

Além das visitas guiadas, esporadicamente, o bunker vai receber exposições artísticas e exibições de cinema.

O valor da entrada e horário de visitação ainda não foram divulgados. Os interessados poderão comprar ingressos pela plataforma Sympla, neste link.

Veja como é o bunker por dentro:

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por BHAZ (@portal_bhaz)

Projeto de conectar o Centro

Oitenta e dois anos após o início da construção dos primeiros andares do Acaiaca, o prédio não parou de ser reinventado e repensado.

Em meio aos detalhes sofisticados e retrô do projeto arquitetônico, modernas catracas com reconhecimento facial controlam a entrada e saída de visitantes durante todo o dia.

Recentemente, o 25º andar foi revitalizado e ganhou um espaço de eventos corporativos com uma visão privilegiada para a avenida Afonso Pena e para a Serra do Curral.

O 26º andar, até então sem uso, ganhou no ano passado um restaurante com um mirante de tirar o fôlego. De lá, além da Serra do Curral, é possível avistar bairros de diferentes regiões de BH e até mesmo a Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana.

E, para 2025, a abertura do bunker para visitação não é a única novidade. A administração já comprou um elevador transparente, que vai garantir vista panorâmica para a cidade entre o 25º e o 30º andar. No último pavimento, os idealizadores planejam criar um novo mirante e liberar a visita à cúpula de vidro que reproduz os cristais de Redelvim Andrade.

“A estrutura tem três metros de altura. O visitante poderá entrar nela e usar binóculos para ver a cidade. Hoje, a gente faz um trabalho colocando iluminações especiais a cada mês, como nas campanhas do Outubro Rosa e Novembro Azul. Essas luzes são vistas de longe e cria a ideia de um cristal”, comenta o arquiteto Alexandre Fraga.

Um projeto mais ousado promete criar uma tirolesa entre o último andar do prédio e o parque municipal. A proposta é conectar os dois pontos turísticos com cabos de aço com mais de 700 metros. A ideia já está no papel e a administração do edifício Acaiaca se planeja para executar. Ainda não há, no entanto, prazo, já que depende de um investimento milionário e licenças públicas complexas.

“O Edifício Acaiaca é de uma época em que o Centro era um local muito requintado. A própria avenida Afonso Pena era praticamente um desfile. As damas usavam salto alto e luvas. O Centro de BH já foi algo extraordinário e queremos que ele volte a ser”, concluiu Antônio Miranda, síndico do condomínio.

O post Edifício Acaiaca: o prédio da estátua indígena com um bunker da 2ª Guerra apareceu primeiro em BHAZ.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.