Após chuvas, moradores se equilibram na beirada de barranco para chegar em casa na Zona Sul de SP: ‘Desespero’


Comunidade Jerusalém, no Jardim Lídia, estão em local de risco geológico muito alto, segundo a Prefeitura; moradores contam que dormem com medo de deslizamentos. Mulher com dificuldade de locomoção está há mais de dois meses sem conseguir sair de casa. Após chuvas, moradores se equilibram na beirada de barranco para chegar em casa em SP
As fortes chuvas que atingiram a cidade de São Paulo nas últimas semanas têm colocado em risco a vida de uma comunidade localizada à beira de um córrego na Zona Sul de São Paulo. Para chegar em casa, moradores da favelinha Jerusalém, no Jardim Lídia, região do Capão Redondo, precisam se equilibrar no caminho à beira de um barranco de vários metros de altura que dá no leito do pequeno rio.
E se o caminho é de dar medo durante um dia de sol (veja vídeo acima), a situação fica muito pior quando vem a chuva e o perigo de deslizamentos.
“Toda vez que começa a chover, a gente não dorme, a gente fica acordado. Porque a gente fica com medo, né, de o barraco descer e a gente estar dentro, cair também, com as crianças. Então a gente fica muito preocupado, a gente não dorme direito”, conta Andreza do Nascimento Oliveira, de 28 anos.
Andreza e uma vizinha se seguram nas paredes dos barracos para atravessar o que sobrou da comunidade Jerusalém, na Zona Sul de São Paulo. Risco de deslizamento é alto no local
Fábio Tito/g1
Questionada pelo g1, a Prefeitura de São Paulo informou que a comunidade está inserida em área classificada como de risco geológico muito alto, e que a Defesa Civil realiza monitoramento contínuo no local (veja a nota completa no fim do texto).
Atualmente, Andreza vivem em casa com os três filhos e um primo que ela acolheu recentemente. Ele era seu vizinho até o último final de semana, mas viu o barraco ser levado ladeira abaixo por um deslizamento depois da última chuva forte.
Andreza está desempregada há quase um ano, mas conversou com o g1 pouco antes de sair para uma entrevista de emprego, em uma vaga de vendedora. No dia seguinte, contou comemorando que a entrevista deu certo e que ela começa no novo emprego em três semanas. Mas ainda precisa arrumar um calçado todo preto, parte obrigatória do uniforme. E vai ter que pagar para que alguém tome conta dos filhos, de três, sete e 13 anos de idade.
Na beira do barranco, crianças observam o córrego e a obra diante das casas da comunidade Jerusalém, na Zona Sul de São Paulo. Chuva aumenta o risco de deslizamento
Fábio Tito/g1
Sem poder sair de casa
Ainda antes de Andreza, uma das primeiras que chegou a Jerusalém foi Débora Vieira dos Santos, cerca de 14 anos atrás. Mãe de 10 filhos, ela não é alfabetizada e tem dificuldade de calcular há quanto tempo vive ali (“Bem mais de dois ou três anos”), mas lembra que estava entre os primeiros habitantes da ocupação. E conta que não consegue sair de casa há mais de dois meses.
Há mais de dois meses, Débora observa o exterior sem conseguir sair de casa na comunidade Jerusalém, na Zona Sul de São Paulo. Com dificuldade de locomoção, ela não consegue passar pelo que sobrou do caminho à beira do barranco
Fábio Tito/g1
“Eu sofri um acidente, da parte do corpo pra cá eu perdi os movimentos (mostra o lado direito do corpo). E, pra mim, andar é muito difícil. Ainda mais do jeito que tá aqui fora, porque não tem passagem, nem pra um lado, nem pro outro. Aí, se fosse o caso, pra descer, sair daqui pra rua, eu teria que atravessar o córrego”, afirma Débora.
Por conta disso, ela conta que está há semanas sem os remédios para pressão alta que costumava buscar no posto de saúde, mas acabaram. Outras pessoas não podem pegar a medicação em seu nome, e ela conta que os agentes de saúde não estão entrando na comunidade.
Débora mora em um barraco dividido em dois cômodos e um banheiro. No espaço moram ela, três de seus filhos mais jovens e seu companheiro. Sem alternativa, ela passa os dias sentada olhando o barranco e o córrego logo abaixo, contando com a ajuda de vizinhas para tarefas como tirar o lixo e fazer pequenas compras para casa.
Ao fim da entrevista, ela pediu para gravar um vídeo para um de seus filhos,
Contenção das margens
Desde o início de 2024, uma empresa contratada em caráter emergencial pela prefeitura realiza uma grande obra de contenção das margens do córrego no local. O contrato soma mais de R$ 58 milhões em verbas. A última previsão, após extensão do prazo inicial de 12 meses, é que a obra seja encerrada em abril deste ano.
Moradores da comunidade sofrem há anos com deslizamentos no local devido às chuvas fortes, mas atribuem à obra a aceleração sentida há mais de um ano.
Maquinário pesado é usado na obra de contenção das margens do córrego diante da comunidade Jerusalém, na Zona Sul de São Paulo
Fábio Tito/g1
“Quando começam as máquinas, isso aqui para, porque você sente o barraco estremecer. E nessa que ele estremece, não mexe, mexe com a estrutura do barraco, mas automaticamente já mexe com a terra que tem embaixo de nós. Aí vai deslizando tudo. (…) Depois que eles começaram a mexer, tudo ficou mais difícil para nós”, diz Débora.
Para trás da comunidade, no condomínio de habitação popular da CDHU que divide o muro com os barracos, o relato é parecido. “O nosso risco tá iminente. O prédio tá se rachando todo, colunas sendo afetadas, casinha do gás já está toda rachada, pedras de benfeitoria, já está tudo se deteriorando. E é devido a essa situação”, diz a síndica Jarmiélia Cândida da Silva, de 47 anos.
Muro de condomínio de habitação popular ficou à beira do barranco após seguidos deslizamentos no Jardim Lídia, na Zona Sul de São Paulo. Barracos que ficavam escorados no muro desmoronaram
Fábio Tito/g1
“Esse muro, ele já foi cedido. E aí a CDHU veio, fez a construção dele, e agora ele tá descolando de novo. Então a sensação é que a gente não pode dormir. Porque pode tremer tudo e cê precisa estar atento, você precisa correr”, afirma Juliete Oliveira, uma das moradoras mais antigas de seu prédio.
O que diz a Prefeitura
Veja abaixo a nota completa enviada pela Prefeitura de São Paulo após questionamento do g1:
A Prefeitura de São Paulo informa que a comunidade está inserida na área MB-25, classificada como risco geológico muito alto (R4). A região foi mapeada pela Defesa Civil, que também realiza monitoramento contínuo e implementa os Planos de Contingência para mitigação de riscos.
Desde fevereiro de 2024, a Subprefeitura M’Boi Mirim realizou 145 interdições no local, devido aos riscos geológicos, e as famílias afetadas foram cadastradas e qualificadas para acompanhamento pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Nesta quinta-feira (6), equipes da Subprefeitura M’Boi Mirim realizarão uma vistoria na Rua Flor do Natal para uma nova avaliação e identificar eventuais medidas complementares necessárias para minimizar os riscos.
As obras para contenção das margens do Córrego Freitas na Rua Flor do Natal, realizadas pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB), foram iniciadas no último ano e estão em fase final. O local apresentava risco iminente para os moradores e imóveis. Ainda em 2023, outro trecho das margens do mesmo córrego já havia sido recuperado pela secretaria. Um novo reservatório para contenção das cheias do Córrego Freitas também será construído. O material licitatório para contratação das obras está em elaboração.
Atendimento às famílias
Em novembro de 2023, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) realizou atendimento para 27 famílias e, na ocasião, a Coordenação de Pronto Atendimento Social (CPAS) entregou itens de primeira necessidade como: 91 colchões, 91 cobertores, 30 cestas básicas, 91 kits de higiene e 30 kits de limpeza. As equipes também ofereceram acolhimento na rede socioassistencial, entretanto, sem aceite por parte dos munícipes.
O Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio (SASF) Jardim São Luis I, atende 32 famílias residentes à rua Flor de Natal. Neste serviço as famílias são acompanhadas e monitoradas com foco na prevenção de situações que possam desencadear rompimento de vínculos familiares e sociais. Além disso, o equipamento identifica demandas de famílias e pessoas que precisam acessar benefícios sociais, programas de transferência de renda e de inserção na rede de proteção social, juntamente ao trabalho de desenvolvimento de habilidades e potencialidades, e estímulo da participação cidadã.
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