‘Em hipótese alguma tentarei voltar aos EUA; não vou mais passar essa humilhação’, diz brasileiro deportado


Migrantes que chegaram ao Brasil nesta sexta-feira (7) relataram momentos de tensão durante prisão nos EUA e no traslado até Fortaleza. Brasileiros deportados foram recebidos por comitiva do governo brasileiro.
Henrique Campos/TV Globo
Brasileiros deportados dos EUA relataram momentos de tensão durante prisão em território americano e no voo entre Alexandria, no estado da Louisiana, até Fortaleza. Ao todo, 111 pessoas desembarcaram na capital cearense, e 96 delas seguiram para Belo Horizonte.
O tratorista André dos Santos, de 26 anos, ficou preso nos Estados Unidos desde novembro até desembarcar em Belo Horizonte na sexta. Natural de Rondônia, ele trabalhava com maquinários agrícolas e conta que arriscou a vida atrás do “sonho americano”.
“Minha ida pra lá foi meio que aterrorizante. Foram dias sem comer, dias de estrada, perigo de pessoas que mexem com tráfico humano e de drogas. Era um medo terrível”, relatou o migrante, que entrou de forma ilegal no país.
André dos Santos, brasileiro deportado, durante chegada em Belo Horizonte nesta sexta.
Henrique Campos/TV Globo
Santos morava no estado de Massachusetts e conta que trabalhava com caminhão de guincho cerca de 14 horas por dia, 7 dias da semana, para conseguir garantir a renda que precisava. Até que, em novembro do ano passado, foi preso pela Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).
“Numa segunda-feira, eram umas 8 da manhã, fui ao banco depositar um dinheiro até que uma viatura começou a me acompanhar e até então eu não tinha percebido. Depositei o dinheiro no banco, fui até o posto abastecer, até que, de repente, 15, 20 homens da força da ICE me cercaram. […] Quando eu vi o distintivo da polícia, eu entendi, a imigração me agarrou. Foi dia 18 de novembro e, até então, estava preso. Fiquei três meses e infelizmente é terrível. É judiador, você fica sem comer, sem beber, sem falar com a família, esperando o tempo deles. […] Graças a Deus eu estou feliz de voltar com vida”, relembrou o tratorista.
Familiares de André, inclusive a esposa, ainda estão nos Estados Unidos e ele conta que ainda não teve mais notícias sobre a situação dos parentes — se estão presos ou em vias de serem deportados.
“O conselho que eu dou paras pessoas é: pense bem antes de ir pra América, que lá não é o que vocês pensam que é. […] As coisas lá são caras, aluguéis são caros, prestação de carro é caro. Lá não é do dia pra noite que você vai colher o dinheiro da árvore, como dizem. […] Eu, em hipótese alguma, tentarei voltar aos EUA. Não vou mais passar essa humilhação”, concluiu o brasileiro repatriado.
Brasileiro deportado narra péssimas condições no voo que veio dos EUA
Acorrentados durante voo até Fortaleza
Os brasileiros repatriados também se queixaram das condições do voo entre Alexandria, no estado da Louisiana, até Fortaleza, no Ceará. O carpinteiro Rafael Marciano, natural de Goiás, relatou que “foi só sofrimento”.
“A gente veio acorrentado de lá até aqui, corrente bem apertada. Para usar o banheiro, não tirava a corrente. A comida, terrível. Um pão com salame que eu acredito até que estava podre”, narrou Rafael.
O marceneiro ainda disse que um outro brasileiro chegou a desmaiar porque não recebeu os remédios que tomava.
“Ele estava todo acorrentado e desmaiou porque precisava dos remédios dele. Eu traduzi pra ele, pra pegar os remédios dele, e eles não deram. Ele caiu, acorrentado, bateu a cabeça no chão e ficou lá. Tiraram lá depois de uns vinte minutos até que pegaram ele e jogaram ele num assento”, completou.
Rafael morou nos EUA por 10 anos até ser deportado nesta sexta-feira. Logo antes, também ficou detido em um presídio norte-americano antes de retornar ao Brasil.
O carpinteiro Rafael Marciano, brasileiro deportado dos EUA.
Ernane Fiuza/TV Globo
Segundo voo de deportados da era Trump
O segundo voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos neste novo mandato de Donald Trump pousou na capital mineira por volta das 21h40 desta sexta-feira (7) no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, na Região Metropolitana, em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB).
Desta vez, os passageiros desembarcaram sem as algemas já em Fortaleza, mas, ao desembarcar na capital cearense, se queixaram que passaram até 12 horas sem comer.
Como a cidade é uma das mais próximas dos EUA, o governo brasileiro decidiu que seria a porta de entrada dos deportados, que, assim, ficariam menos tempo algemados, procedimento de praxe do governo americano (saiba mais abaixo)
Brasileiros repatriados foram recebidos pela comitiva do governo.
Henrique Campos/TV Globo
Os brasileiros que chegaram no voo foram recebidos por uma comitiva de recepção que contou com a presença de servidores da Prefeitura de BH, do Governo de Minas e da União, incluindo a Ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo.
Eles foram orientados pelos servidores e recebidos no aeroporto em uma sala com acesso a água, alimentação, pontos de energia, internet e banheiro.
Na tarde desta sexta, a Fecomércio, responsável pelo Sistema S, divulgou que oferecerá transporte, alimentação e hospedagem por dez dias aos deportados na unidade do Sesc Venda Nova, na capital mineira, por dez dias. Os interessados também vão receber capacitação profissional.
Caminhão do Servas com Kits de higiene e lanche para os deportados
Ernane Fiuza/TV Globo
Retirada das algemas
Este é o segundo avião enviado pelos EUA com imigrantes deportados desde o início do novo governo de Donald Trump. Nos últimos dias do governo de Joe Biden, em 10 de janeiro, um outro avião com 100 imigrantes deportados já havia pousado no Brasil.
O primeiro voo da nova era Trump, no último dia 24, chegou ao Brasil em meio a polêmicas sobre as condições as quais o grupo foi submetido ao longo do trajeto.
Houve um desentendimento com a tripulação devido ao calor, e os 88 deportados abriram uma porta de emergência e desembarcaram por uma ponte inflável ainda algemados.
Segundo a Polícia Federal, o uso de algemas em imigrantes é uma praxe em voos fretados dos EUA para repatriação, mas elas são retiradas ao pousar no Brasil, já que os deportados não são prisioneiros.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ordenou a retirada das correntes e solicitou que os deportados fossem levados a Belo Horizonte em um voo da FAB. Itamaraty diz que cobrará EUA por tratamento ‘degradante’.
Veja perguntas e respostas sobre o impasse envolvendo a deportação de brasileiros algemados pelos EUA
Avião da Força Aérea Brasileira que transportou brasileiros deportados dos Estados Unidos de Fortaleza (CE) para Belo Horizonte (MG).
Thiago Gadelha/Sistema Verdes Mares
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