Ariel e Kfir: dias de revolta e dor

Soldados de Israel recebem os corpos de quatro refénsUnidade de Porta-Vozes das FDI

Hoje, como parte da primeira fase do cessar-fogo entre Israel e o Hamas, os israelenses receberam os corpos de quatro reféns: Shiri Bibas (32 anos) e seus dois filhos, Kfir e Ariel (sequestrados aos 9 meses e 4 anos de idade), e Ofir Lishfitz (84). Nenhum outro tema foi abordado nos canais de televisão e de rádio. A Praça dos Sequestrados, em Tel Aviv, permaneceu lotada de manifestantes. O caminho percorrido pelas ambulâncias com os corpos, entre a fronteira de Gaza e o instituto onde são realizadas as biópsias, estavam lotadas de cidadãos portando, em silêncio, bandeiras de Israel e o símbolo dos reféns.

Na TV, ouvi a entrevista com um médico especialista convidado para abordar um assunto novo no planeta Terra: de que forma pais devem conversar com seus filhos para explicar como dois bebês podem ser sequestrados e voltar mortos para casa. Afinal, o primeiro pensamento das crianças israelenses nesse momento é: “Se aconteceu com eles, acontecerá comigo também?”

Explicação em 3 fases

O entrevistado Amir Blumfeld, médico responsável pela coordenação do atendimento aos familiares dos reféns ao longo de toda a guerra (detalhe: embora pouco se fale sobre isso, muitos desenvolveram sérias doenças crônicas ou pontuais durante esses 15 meses), dividiu o procedimento em três.

Primeiro, é preciso explicar à criança, com linguajar acessível, o que aconteceu, factualmente. Em seguida, dar a ela espaço para fazer perguntas e dizer como ela se sente em relação a isso. Por fim, transmitir-lhe esperança, da forma que for possível. Seja lembrando que no próximo sábado seis reféns (mesmo que adultos) estarão voltando para casa, seja expressando o “wishful thinking” de que agora nossas fronteiras estão protegidas e algo assim nunca vai acontecer, coisa e tal.

Fico feliz por ser mãe de uma mulher adulta que, apesar de também estar confusa e tocada pelo o que acontece aqui (como eu e como toda a população), pelo menos não requer de mim esse tipo de atenção. Acho que não há nenhum país no mundo, nesse momento, em que é tão difícil explicar a um filho o que está acontecendo do lado de fora da porta de casa.

Shiri Bibas e seus dois bebês: sequestrados de sua casa por civis palestinosDivulgação

Explicar que estamos trocando corpos de bebês arrancados de seu berço por centenas de terroristas perigosos e com sangue nas mãos. Explicar que o octogenário Oded, um ativista pela paz por décadas, foi morto justamente por aqueles a quem defendia. Explicar que foi realizada uma cerimônia festiva e repleta de famílias palestinas em Gaza antes que os caixões dos quatro (que traziam retratos de cada um e a data de “aprisionamento”, 7 de outubro de 2023) fossem entregues à Cruz Vermelha. Explicar que, apesar de o Hamas ainda ter em seu poder 69 reféns israelenses, Israel permitir a entrada em Gaza de tratores, alimentos, hospitais de campanha etc.

Clima de revolta e dor

Há quem diga que hoje foi o pior dia dessa guerra desde o 7 de outubro de 2023, e há quem diga que foi um dia de alívio, no qual as famílias puderam encerrar 500 dias de incerteza e começar algum tipo de processo de recuperação emocional.

Seja o que for, para mim é difícil entender como foi permitido ao Hamas omitir informações a respeito da situação dos reféns durante tanto tempo. Como a Cruz Vermelha só fez seu papel junto aos palestinos, mas não junto aos israelenses. E como foi permitido ao Hamas arrastar para dentro de túneis bebês, adolescentes, idosos, homens e mulheres, cristãos, árabes e judeus sem que isso provocasse um imediato tsunami de condenações em todo o planeta. São muitas as perguntas, e todas elas, tão dolorosas.

A família Bibas: apenas Yarden (o pai) retornou com vida de GazaDivulgação

Sim, o retorno dos corpos, especialmente o dos bebês, nos ajuda a fechar um ciclo, mesmo que ele seja incompreensível, inaceitável e revoltante como nenhum outro. Ainda bem que, resiliente como (acredito) nenhum outro, o povo judeu já está se incumbindo de lançar luz até mesmo sobre um evento brutal como esses: hoje de manhã, um jovem casal do centro de Israel batizou seu bebê recém-nascido de Kfir Ariel.

E este é só um exemplo luminoso entre tantos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

 

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