IPEA: 70% das plataformas digitais no país são brasileiras, mas EUA e China dominam setores estratégicos

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, em estudo sobre a origem do capital das empresas de plataformas digitais que operam no Brasil, aponta para uma dinâmica complexa: enquanto 70,2% das empresas possuem capital de origem brasileira, os 30% restantes – majoritariamente dos Estados Unidos e, em menor escala, da China e de outros países latino-americanos e europeus – evidenciam uma dependência estratégica em setores fundamentais da economia digital.

O relatório “Rastreando a origem do capital das empresas de plataforma digital em operação no Brasil”, revela que a maioria das plataformas que faturam acima de R$ 78 milhões opera com capital nacional, demonstrando a rápida ascensão de empreendedores brasileiros no cenário digital. No entanto, a presença significativa de empresas estrangeiras – 13,1% dos casos são estadunidenses e 3,6% chineses, entre outras – ressalta um cenário de competição acirrada. Esse equilíbrio, embora aparentemente positivo, levanta questões sobre a transferência de lucros para o exterior e a dependência de tecnologias e modelos de negócios importados, especialmente em setores que controlam dados e influenciam decisões de consumo.

O faturamento usado considerou a linha de corte prevista no PL 2768/22, que prevê responsabilidade da Anatel na regulação de plataformas digitais. O documento avalia especialmente três segmentos – varejo, entregas e redes sociais – e aponta para um cenário ambíguo. Se, por um lado, a expressiva presença de capital nacional demonstra a capacidade empreendedora brasileira, por outro, a dependência de empresas estrangeiras em setores estratégicos – como redes sociais e marketplaces – coloca em xeque a autonomia do país:

  • Varejo: O setor concentra o maior número de plataformas, com empresas nacionais robustas, como o exemplo da transformação digital da Magalu. Contudo, o ingresso de plataformas estrangeiras, oriundas de países como Argentina e China, evidencia um ambiente de mercado cada vez mais competitivo e globalizado.
  • Delivery: No segmento de entrega sob demanda, o domínio do iFood – que detém 87% do mercado – contrasta com a presença de diversos competidores que, em muitos casos, enfrentam dificuldades para se estabelecer. A trajetória de empresas adquiridas ou que encerraram operações, como BoxDelivery e Merqueo, ilustra os desafios enfrentados por entrantes em um setor marcado por efeitos de rede e barreiras naturais à competição.
  • Redes Sociais: Diferentemente dos setores anteriores, o mercado de redes sociais é amplamente dominado por plataformas estrangeiras, especialmente as estadunidenses da Meta. Mesmo com a ascensão de gigantes chinesas, como TikTok e Kuaishou, a ausência de alternativas nacionais robustas levanta preocupações quanto à soberania digital, à moderação de conteúdo e à governança de espaços públicos virtuais.

“A dependência em setores estratégicos é particularmente preocupante por várias razões. Em primeiro lugar, plataformas estrangeiras geralmente canalizam seus lucros para fora do país e isso impacta negativamente a balança de pagamentos e limita o reinvestimento local. Em segundo lugar, elas centralizam a governança de dados e informações sensíveis fora do território nacional, o que pode comprometer a soberania digital brasileira. Isso inclui, por exemplo, a gestão de espaços públicos digitais, como redes sociais, que têm papel crucial em processos democráticos, incluindo eleições, conforme apontado anteriormente”, diz o estudo.

O relatório do IPEA conclui que, para garantir uma economia de plataformas mais equilibrada e resiliente, é urgente o desenvolvimento de políticas públicas que harmonizem a abertura ao investimento estrangeiro com a proteção e o fortalecimento dos setores estratégicos nacionais. Investimentos em infraestrutura digital, capacitação tecnológica e regulação assertiva são apontados como caminhos essenciais para promover a competitividade local e reduzir a vulnerabilidade frente aos “hyperscalers” globais.

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