Bolsa Família: quase 1 milhão de famílias unipessoais do programa são cortadas

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República em 2023, o programa Bolsa Família passou por uma série de mudanças e ajustes. Embora o programa continue sendo um dos principais mecanismos de transferência de renda no Brasil, a implementação de novos critérios resultou em cortes significativos de beneficiários.

Entre as vítimas desses cortes, estão as famílias unipessoais – compostas por uma única pessoa – que sofreram com as modificações, que geraram controvérsias e dificuldades para o retorno de muitos desses cidadãos ao programa.

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A Mudança nos Critérios: O Impacto das Reformas no Bolsa Família

Em 2023, o governo federal reestruturou o Bolsa Família para torná-lo mais eficiente, mas também mais restritivo. O número de beneficiários foi alterado drasticamente, com cerca de 1,3 milhão de famílias sendo retiradas do programa. Entre essas, aproximadamente 980 mil são famílias unipessoais, que constituem um grupo especialmente vulnerável.

A Justificativa por Trás dos Cortes

O principal motivo para a exclusão de tantos beneficiários, conforme explica a assistente social do Sistema Único de Assistência Social (Suas), Ana Luíza Câmara, foi a introdução de novos critérios de renda, que afetaram particularmente as famílias unipessoais. Essas famílias, que antes poderiam ser contempladas com o benefício, passaram a enfrentar uma barreira de renda muito mais rigorosa.

De acordo com a nova regra, uma pessoa que ganhasse mais de R$ 218 por mês estaria automaticamente excluída do Bolsa Família, o que é visto por especialistas como uma medida que não leva em conta a realidade de muitos desses beneficiários. “Às vezes, a pessoa faz um bico, ganha R$ 300 no mês, mas isso não significa que ela superou a sua situação de pobreza. Ela sai do critério, mas continua vivendo em situação de vulnerabilidade”, afirma Câmara.

O Efeito nos Números de Beneficiários

O impacto dessa mudança foi profundo. Em 2023, o Bolsa Família contemplava 4,9 milhões de famílias unipessoais. No entanto, em fevereiro de 2024, esse número caiu para 3,9 milhões, representando uma redução significativa.

Segundo os dados da Agência Pública, até fevereiro de 2024, cerca de 6,1 milhões de famílias unipessoais estavam inscritas no Cadastro Único, incluindo pessoas em situação de rua e moradores de instituições de longa permanência. No entanto, apenas 3,9 milhões conseguiram ser contempladas com o benefício.

Limite Municipal e Suas Consequências

Uma das principais questões envolvendo os cortes foi o limite de 16% de beneficiários unipessoais por município. Esse critério foi estabelecido para evitar que a quantidade de famílias unipessoais fosse excessiva em relação ao total de beneficiários do programa. A Agência Pública revelou que mais de 3.600 dos 5.571 municípios brasileiros (cerca de 64,7%) já ultrapassaram esse limite, o que resultou na exclusão de milhares de famílias que, apesar de atenderem aos critérios de renda, ficaram fora do programa devido à cota municipal.

A Falta de Estudo sobre a Realidade Local

A assistente social Ana Luíza Câmara questiona a eficácia dessa medida nacional, já que o Brasil é um país com imensa desigualdade regional e social. Ela argumenta que a implementação de critérios rígidos sem considerar as especificidades de cada região pode resultar em maior exclusão, principalmente em grandes centros urbanos, onde a demanda por assistência social é muito maior.

“[Como] você opta por uma medida nacional, sabendo que o Brasil é extremamente desigual, e ignora a territorialidade?”, indaga Câmara. De acordo com ela, isso leva a uma realidade em que muitas famílias, que não conseguiram acesso devido ao limite municipal, continuam a enfrentar dificuldades econômicas sem o auxílio do programa.

Desafios para o Retorno ao Programa

Além das mudanças nos critérios e nas exclusões, o Bolsa Família possui uma regra de permanência que, embora tenha o objetivo de ajudar as famílias que superaram os critérios de renda, acaba dificultando o retorno de muitas delas ao programa. Se uma família ultrapassar metade do salário mínimo (R$ 759), o benefício é suspenso. Caso a renda caia novamente, a família tem até dois anos para se reintegrar ao programa, recebendo metade do valor do benefício. No entanto, o retorno não é simples.

Exemplo de Exclusão e Dificuldades no Retorno

Ana Luíza Câmara relata o caso de uma senhora em uma região periférica de Brasília que, ao começar a receber auxílio-doença, teve sua renda total aumentada, ultrapassando o limite estabelecido pelo Bolsa Família. Mesmo enfrentando problemas de saúde graves, como o câncer, ela foi retirada do programa, e a dificuldade para reintegrá-la ao Bolsa Família foi considerável.

Esse exemplo ilustra um dos maiores desafios do programa: a exclusão de pessoas que, apesar de uma mudança temporária em sua situação financeira, ainda enfrentam sérias dificuldades. Para muitos desses beneficiários, o retorno ao programa não é garantido, o que agrava a vulnerabilidade social de muitas pessoas.

O Caminho Adiante: A Necessidade de Ajustes e Inclusão

Os cortes no Bolsa Família, especialmente entre as famílias unipessoais, revelam a necessidade urgente de ajustes no programa. É essencial que o governo federal repense os critérios de inclusão, considerando as especificidades de cada região e a realidade dos beneficiários. Além disso, deve haver mais flexibilização no retorno ao programa, especialmente para aqueles que enfrentam mudanças temporárias em sua renda, mas continuam em situação de vulnerabilidade.

A assistência social no Brasil precisa ser mais inclusiva e sensível às necessidades locais, garantindo que todos aqueles que realmente precisam de apoio possam contar com ele, independentemente de uma cota municipal ou de um limite rígido de renda.

Imagem: KamranAydinov – Freepik / dekddui1405 – Envato / Edição: Seu Crédito Digital