
Desde que chegou ao Brasil, em 2022, a Starlink, empresa de internet via satélite do bilionário Elon Musk, vem expandindo rapidamente sua presença no mercado. Com mais de 335 mil usuários ativos, a companhia já detém 58,6% do segmento de internet via satélite no país. Agora, a empresa quer ir além e aguarda autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para dobrar a quantidade de satélites operando sobre o território brasileiro.
O novo pedido, enviado em dezembro de 2023, solicita a autorização para colocar em órbita mais 7.500 satélites de segunda geração. No entanto, a Anatel ainda não deliberou sobre o tema, e o processo está paralisado em meio a discussões técnicas e preocupações geopolíticas.
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O avanço da Starlink no Brasil
A Starlink começou suas operações no Brasil em 2022, lançando uma constelação de 4.400 satélites de primeira geração para oferecer internet de alta velocidade, com baixa latência, especialmente em áreas remotas e de difícil acesso, como a Amazônia e o sertão nordestino.
O modelo da empresa — que dispensa infraestrutura terrestre, permitindo conexão direta por meio de antenas instaladas nas residências — rapidamente conquistou espaço, principalmente em locais onde operadoras tradicionais ainda não chegam com fibra óptica ou cobertura móvel eficiente.
Hoje, a empresa lidera o mercado brasileiro de internet via satélite com mais de 58% de participação.
O novo pedido e a preocupação da Anatel
Em novembro de 2024, quase um ano após o pedido formal, a Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação da Anatel elaborou uma minuta do ato de direito de exploração da nova constelação. No entanto, o tema não chegou a ser votado pelo conselho diretor da agência.
A análise ganhou novos contornos a partir de março de 2025, quando o relator do processo, conselheiro Alexandre Freire, solicitou uma avaliação mais aprofundada dos riscos políticos e técnicos da proposta.
Soberania digital em pauta
Um dos principais pontos levantados por Freire está relacionado à soberania digital brasileira. O conselheiro questiona a possibilidade de a Starlink operar de forma independente das redes nacionais, com tráfego de dados roteado exclusivamente por satélites, fora da infraestrutura brasileira.
Esse cenário poderia tornar a empresa insuscetível às normas, à fiscalização da Anatel e às decisões da Justiça brasileira, como ordens de bloqueio, interceptação ou cooperação em investigações.
“É essencial garantir que empresas que operam no Brasil estejam submetidas à legislação nacional e às autoridades reguladoras”, afirmou Freire em despacho interno da agência.
Riscos em caso de conflitos geopolíticos
Outra preocupação envolve o uso potencial da infraestrutura da Starlink como instrumento de pressão política ou econômica em contextos de crise internacional. Como Elon Musk ocupa cargo no governo dos Estados Unidos, onde atua como chefe do Departamento de Eficiência Governamental da Casa Branca, há temor de que, em um eventual conflito, o serviço possa ser interrompido por razões externas ao Brasil.
A relação de Musk com o ex-presidente Donald Trump, de quem é aliado político, também preocupa membros do governo brasileiro, especialmente após episódios de confronto entre Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Segurança de dados e a LGPD

Outro tema sensível em discussão na Anatel é a segurança dos dados processados pela Starlink. Como a empresa armazena e roteia os dados fora do Brasil, há dúvidas sobre o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que impõe regras específicas para o tratamento e armazenamento de dados sensíveis de cidadãos brasileiros.
O relator Alexandre Freire solicitou à área técnica da Anatel um parecer detalhado sobre:
- Riscos de espionagem comercial ou institucional;
- Capacidade de resposta da empresa a determinações judiciais;
- Garantias de compliance com a legislação brasileira de dados pessoais.
Riscos técnicos: interferência e congestionamento orbital
Além das questões políticas e legais, operadoras nacionais também expressaram preocupações técnicas à Anatel. As principais queixas envolvem o risco de congestionamento na órbita terrestre baixa (LEO) e interferência nos sinais de telecomunicações já utilizados por outras empresas no Brasil.
Com o lançamento de mais 7.500 satélites, a constelação da Starlink pode superar os 12 mil dispositivos em operação, o que levanta preocupações sobre sustentabilidade espacial, gestão do espectro de radiofrequência e risco de colisões.
Empresas brasileiras do setor alertaram ainda para a dificuldade de competir com um player global com presença massiva em baixa órbita, o que pode criar desequilíbrios de mercado e ameaças à concorrência.
Concorrência internacional: China, Canadá e Amazon
Em meio ao impasse com a Starlink, o governo brasileiro tem buscado diversificar os fornecedores de internet via satélite, firmando parcerias com empresas concorrentes para garantir soberania tecnológica e reduzir a dependência de um único grupo empresarial.
Acordo com a chinesa SpaceSail
Em 2023, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um memorando de entendimento com a empresa chinesa SpaceSail. O objetivo é levar internet via satélite para regiões remotas do Brasil, como a Amazônia Legal. O acordo inclui a participação da estatal brasileira Telebrás na operação dos serviços.
Visita à Telesat no Canadá
Mais recentemente, em 2025, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, visitou a sede da Telesat, no Canadá, para conhecer o projeto de constelação de satélites em órbita baixa voltado ao atendimento corporativo e governamental.
Diálogo com a Amazon
O governo também mantém diálogo com a Amazon, que desenvolve o Projeto Kuiper, com mais de 3 mil satélites planejados para fornecer conectividade global. A expectativa é que esses projetos estimulem a concorrência e evitem o monopólio da Starlink no país.
Quando sai a decisão da Anatel?

Ainda não há uma data oficial para o julgamento do pedido da Starlink, mas a expectativa interna na Anatel é de que uma deliberação ocorra ainda neste primeiro semestre de 2025. Enquanto isso, o processo segue sob análise técnica e jurídica.
A Starlink, por sua vez, não se manifestou oficialmente sobre o andamento da solicitação nem sobre as críticas levantadas por membros da Anatel e operadoras concorrentes.
Imagem: Reprodução/ Anatel