“Está virando moda grupos indígenas ocuparem ou invadirem unidades de conservação, quando tal fato deveria ser uma rara exceção”

Terra indígena sim, mas não sobrepondo Unidades de Conservação.

A Associação Catarinense de Preservação da Natureza é uma, dentre as setenta entidades sócio-ambientalistas e conservacionistas de todo o Brasil, além de mais de sessenta renomadas personalidades científicas e políticas, independente de ideologia partidária, que assinaram manifesto em defesa do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e contra a sobreposição de Terra Indígenas com essas Unidades de Conservação.

O estopim dessa manifestação foi o recente acordo entre o ICMBio e a Funai que regulou a sobreposição de Terra Indígena Guarani com a Reserva Biológica (Rebio) Bom Jesus, no litoral do Paraná. O manifesto, com data de 27 de maio, foi endereçado às autoridades ligadas ao assunto, principalmente a direção nacional do ICMBio e ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.

Embora posicionando-se contrário à proliferação de sobreposições de Unidades de Conservação com Terras Indígenas, no entanto, o manifesto deixa claro o total apoio dos signatários à busca de áreas adequadas e necessárias para a consolidação e a criação de novas Terras Indígenas em todo o território nacional, algo que todos concordam ser indiscutível.

No Vale do Itajaí, o Parque Nacional da Serra do Itajaí foi invadido por um grupo indígena. Invadido, pois adentraram um portão fechado com cadeado, na época das eleições (mera coincidência?) de 2022. No Paraná, quando ocorreu a ocupação pelos indígenas, a criação da Rebio estava praticamente pronta para assinatura da autoridade responsável pela sua criação. Mesmo assim, o argumento de que a ocupação ocorreu antes da criação da reserva é muito enfatizado nos documentos que tentam justificar essa tentativa de compatibilização.

No caso do Serra do Itajaí, desde a primeira proposta de criação de um parque nacional na região, ocorrida em 1979, e a criação de fato em 2004, até sua invasão por indígenas na campanha eleitoral de 2022, foram nada menos que 43 anos. Mesmo quando indígenas ocupam uma unidade de conservação pouco tempo antes de sua criação, tal fato constitui argumento para justificar a sobreposição. No entanto, no caso contrário, quando a ocupação ocorreu décadas depois, mesmo com o conhecimento da Funai de que ali seria constituída uma reserva natural, como fica? Ou seja, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, não tem outra saída?

A realidade é que está virando moda grupos indígenas ocuparem ou invadirem unidades de conservação, quando tal fato deveria ser uma rara e muito bem justificada exceção.

Os esclarecimentos que autoridades nacionais publicaram nas redes sociais sobre o caso da Rebio Bom Jesus chegam a ser tendenciosos. Por exemplo, enfatiza-se que os indígenas ocuparam apenas 0,056% da Reserva, área que foi chamada de Zona de Uso Intensivo. Porém, em nenhum momento, que tenhamos percebido, mencionam outra porcentagem, os quase 20% da Rebio que poderão usar, pasme o leitor, inclusive para caçar, no que foi chamado “Zona de Uso Disperso”. A porcentagem irrisória é enfatizada e a percentagem maior omitida ou camuflada, em relação à sobreposição com a Rebio.

Há, ainda, um outro documento, assinado por dois analistas ambientais do ICMBio, que tenta justificar a sobreposição da Terra Indígena Guarani com a Reserva Biológica Bom Jesus perante as autoridades judiciais envolvidas no caso. O conteúdo chega a ser patético em vários dos seus pontos. Tentam justificar a inépcia das autoridades em relação à fiscalização dos ilícitos ambientais perpetrados por caçadores e ladrões de palmito, muito mais predatória, como justificativa da presença indígena, menos predatória.

O mesmo documento, reconhecendo “ser impossível haver comunidade mais tradicional que os Guarani”, no que, em tese, concordamos, deixa claro que novas famílias poderão ocupar a área, além das atuais sete famílias que assinaram o acordo, sem limite de população nem de tempo máximo de ocupação. Uma sobreposição ad perpetuum, inconstitucional e em desacordo com o que preconiza a Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

Permite ainda, esse mesmo documento que nos 19 hectares de uso intensivo ocupados, os indígenas possam construir, plantar e criar animais domésticos, entre estes, gatos e cachorros, notórios perseguidores de fauna silvestre, sem qualquer previsão de minimização desse impacto. E permite, enfim, que nos 6.698 hectares de “uso disperso” possam caçar, como se a realidade de conservação da fauna nos dez por cento extremamente fragmentados e recortados que restam da Mata Atlântica brasileira fosse comparável com a realidade Amazônica. Na Amazônia, como se sabe, as terras indígenas costumam ser extensas, abrangendo centenas de milhares de hectares, muitas com milhões de hectares de área e, mesmo assim, cercadas de muita área florestada na Amazônia. Não há como equiparar essas duas realidades.

Em certos momentos, os analistas ambientais que assinaram o aludido documento do ICMBio, parecem desconhecer completamente o que seja um cachorro doméstico em áreas rurais, talvez, confundindo com cães e gatos criados em apartamentos, regularmente tratados, lavados, escovados e perfumados em clínicas pet e que só saem de casa para passear segurados nas guias de seus tutores. “Os cães (e gatos também) da comunidade indígena terão baixíssimo, quase nulo impacto na fauna, uma vez que nada poderão fazer com bichos maiores, como porcos catetos e, queixadas, muito menos antas”, ressalta o documento.

Parecem ignorar completamente que existem centenas de espécies menores, de cotias e preás a lagartos e cobras, que podem ser predados e mortos por esses carnívoros domésticos que ali não estariam diretamente se não fosse a presença dos indígenas. E também ignoraram completamente o estrago que cães soltos causam até mesmo a indivíduos de espécies selvagens maiores que eles, pois, todos sabemos, uma vez estes sendo farejados e localizados, passam a ser perseguidos e importunados, podendo alguns desses bichos bem maiores que os cães, como os cervídeos, virem a óbito não pelo ataque direto dos cães, mas, por outro ataque, o ataque cardíaco, por não resistirem fisicamente à implacável perseguição dos cães, fato conhecido por qualquer um que tenha um mínimo de conhecimento sobre esses assuntos.

Sem contar os gatos que adentram a reserva natural até por quilômetros, caçando e matando bichos da fauna silvestre que encontram pelo caminho. Há poucos dias presenciei um lagarto ainda jovem, morto, nas mandíbulas de um gato da vizinhança que vêm perambular na nossa RPPN, em Blumenau. Gatos domésticos podem matar até bichos maiores, como cobras-cipó de mais de dois metros de comprimento, como qualquer biólogo ou bom observador da natureza sabe, menos os mencionados analistas ambientais, a julgar pelo que escreveram no documento. Se eles sabem disso, omitiram a informação.

Finalmente, embora o assunto ainda gere muito pano para manga, a justificativa apresentada no documento do ICMbio para o baixíssimo impacto ambiental que os indígenas poderão causar na Reserva Biológica, (lembrando que se trata da mais restritiva das categorias de Unidades de Conservação da Natureza!), chega a primar pelo “rigor científico”. Cada indígena guarani – afirma o documento e não nos cabe aqui questionar isso – tem permissão para caçar apenas uma anta em toda a sua vida. Se nas sete famílias, então existem, digamos, dez homens, isso significa que dez antas poderão ser mortas numa região em que antas estão entre os mais raros bichos daquelas matas. Não existe justificativa para caçar e matar bicho inserido na lista dos animais ameaçados de extinção, seja de que espécie for.

Mesmo aceitando esse fato em relação às antas, o “rigor científico” do documento fecha com patética chave de ouro, como segue (os grifos são nossos): “… já a queixada provavelmente pode deixar de ser caçada, sendo substituída, se for o caso, pelo cateto, que deve ser menos abundante …”. A depender desse tipo de argumentação “científica” estamos muito mal. Trata-se de rigor científico ou simples achismo, ou mesmo profissão de fé? Sem necessidade de mais comentários.

Quem deve estar gostando muito disso tudo, é a parcela podre do agronegócio brasileiro, chamada pela Ministra Marina de “ogronegócio”. Ao contrário do agronegócio sério, respeitador das leis e compromissado com o meio ambiente, o “ogronegócio” não vê com muita simpatia nem as Terras Indígenas nem as Unidades de Conservação, julgando-as como entraves aos seus nebulosos e ilícitos avanços por mais terras griladas e desmatamentos ao arrepio da lei.

Cada vez que uma Unidade de Conservação é sobreposta por Terra Indígena, uma fazendo sombra à outra, ao invés de serem criadas mais terras indígenas e mais unidades de conservação, eles devem festejar e rir, de orelha a orelha. Sequer precisarão esperar por um novo candidato a presidente que diga que não vai criar mais nem um centímetro de terra indígena.


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