
A inalação do vapor de gasolina automotiva foi oficialmente classificada como cancerígena para humanos pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC). A descoberta foi publicada na prestigiada revista The Lancet Oncology e traz preocupações sérias para a saúde pública, principalmente para os trabalhadores expostos diariamente ao combustível, como os frentistas de postos de gasolina.
Segundo o estudo, o contato frequente com os vapores emitidos durante a produção, transporte e reabastecimento de veículos está diretamente associado a dois tipos de câncer: câncer de bexiga e leucemia mieloide aguda em adultos.
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Profissionais em risco: frentistas são os mais vulneráveis
A Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro) afirma que essa classificação da IARC apenas reforça o que os trabalhadores do setor já vinham alertando. O secretário de saúde da entidade, Eduardo Silva, divulgou nota dizendo que é urgente a implementação de sistemas de recuperação de vapores nas bombas de abastecimento.
“É urgente que sejam reforçadas políticas públicas e normas de segurança ocupacional para minimizar os riscos à saúde dos frentistas e da população em geral. A divulgação dessa nova classificação pela IARC deve servir como um alerta para a necessidade de medidas mais rígidas de prevenção e fiscalização”, afirmou Silva.
Outros efeitos à saúde: mais doenças associadas à exposição
Além do câncer de bexiga e da leucemia mieloide aguda, o estudo aponta evidências, ainda que limitadas, de que outros tipos de doenças também possam estar ligados à exposição contínua aos vapores da gasolina:
- Linfoma não-Hodgkin, incluindo leucemia linfocítica crônica
- Mieloma múltiplo
- Síndromes mielodisplásicas
- Câncer de estômago e rim em adultos
- Leucemia linfoblástica aguda em crianças
Essas condições estão sendo associadas principalmente aos componentes tóxicos presentes na gasolina e aos aditivos químicos utilizados para melhorar o desempenho do combustível.
Os compostos químicos mais perigosos na gasolina

A gasolina automotiva é composta por uma complexa mistura de hidrocarbonetos e aditivos químicos, muitos deles comprovadamente tóxicos. Entre os mais perigosos estão:
Aditivos reconhecidos como cancerígenos:
- Benzeno
- Cumeno
- Xileno
- Tolueno
- Etilbenzeno
Aditivos com evidência limitada de risco cancerígeno:
- ETBE (Éter etil terciário-butílico)
- MTBE (Éter metil terc-butílico)
Aditivos considerados não cancerígenos:
- DIPE (Éter di-isopropílico)
- TAME (Éter terc-amilmetílico)
- TBA (Álcool terc-butílico)
Medidas recomendadas para frentistas
Para mitigar os riscos, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), por meio da Coordenação de Prevenção e Vigilância, listou uma série de recomendações de segurança para os trabalhadores de postos de combustíveis.
Medidas individuais:
Durante o abastecimento:
- Nunca encher o tanque após o “click” automático da bomba.
- Não cheirar a tampa do tanque de combustível.
- Evitar o uso de panos ou flanelas para conter respingos.
Cuidados com o uniforme:
- Roupa molhada com combustível deve ser imediatamente substituída.
- Uniformes devem ser lavados regularmente, de preferência pela empresa.
Monitoramento da saúde:
- Realização de exames periódicos (sangue e urina) para detecção precoce de doenças.
Equipamentos de proteção:
- Utilização de luvas impermeáveis, máscaras e aventais durante o manuseio do combustível.
O papel das empresas: normas que devem ser cumpridas
A segurança dos trabalhadores também depende da responsabilidade das empresas que operam postos de combustíveis. O INCA aponta obrigações específicas que devem ser seguidas:
Medidas estruturais e operacionais:
- Instalar sistemas de recuperação de vapores nos bicos de abastecimento.
- Realizar manutenção periódica dos bicos automáticos.
- Adotar leitores eletrônicos nos tanques subterrâneos, para eliminar a necessidade da leitura manual com réguas.
- Implementar peças protetoras contra respingos, proibindo o uso de flanelas.
Capacitação e fornecimento de EPIs:
- Oferecer cursos de capacitação sobre riscos e segurança.
- Fornecer uniformes completos, calçados fechados e impermeáveis, com garantia de limpeza semanal.
- Garantir luvas e proteção respiratória durante todas as etapas do abastecimento e manuseio do combustível.
Fiscalização e políticas públicas: um chamado urgente
O estudo da IARC, aliado às recomendações do INCA e aos apelos da Fenepospetro, reforça a necessidade de fiscalização rigorosa por parte dos órgãos reguladores.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) foram contatadas para informar se haverá atualização nas normas de segurança vigentes. Até o momento, segundo a Agência Brasil, ainda não houve retorno.
A legislação e as normas de segurança aplicáveis
Entre as normas já existentes que tratam da segurança dos trabalhadores expostos a produtos inflamáveis e tóxicos, destacam-se:
- NR 20: trata da segurança e saúde no trabalho com inflamáveis e combustíveis.
- NR 09: aborda a prevenção de riscos ambientais no ambiente de trabalho.
Ambas são fundamentais para orientar e regulamentar práticas seguras nos postos de combustíveis e devem ser rigorosamente cumpridas pelas empresas.
Conscientização e mobilização coletiva

A luta por melhores condições de trabalho e segurança não é recente. Diversos sindicatos e associações vêm se mobilizando para:
- Aumentar a conscientização pública sobre os riscos.
- Exigir do governo políticas mais efetivas.
- Estimular a adoção de tecnologias mais seguras, como o sistema de recuperação de vapores.
- Fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas e sanitárias.
Imagem: prakob/ Shutterstock