Moradores da Coreia do Norte enfrentam alta inflação e precisam de mochilas para carregar dinheiro ao mercado

Coreia do Norte

A Coreia do Norte enfrenta uma grave crise econômica, marcada por uma disparada nos preços de produtos básicos, que transformou o cotidiano da população em um cenário de sobrevivência. A desvalorização acelerada do won norte-coreano, especialmente frente ao yuan chinês e ao dólar americano, impulsionou uma inflação silenciosa que pesa sobre os ombros dos cidadãos.

Moradores relatam que os preços de mercado dobraram ou até quintuplicaram em pouco tempo. “Agora, em vez de levar uma bolsa de dinheiro para o mercado, as pessoas literalmente têm que trazer uma mochila cheia de dinheiro”, afirmou um residente da província de Yanggang, em condição de anonimato à Radio Free Asia (RFA).

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A ausência de dados oficiais e o termômetro popular

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Imagem: Who is Danny – Freepik

Inflação mascarada pela falta de transparência

O governo da Coreia do Norte não publica índices de inflação ou dados oficiais sobre preços ao consumidor, o que obriga a população e especialistas a confiarem em relatos de moradores e comparações com anos anteriores para mensurar o impacto da crise.

Produtos que mais subiram

Os aumentos são expressivos:

  • Óleo de girassol: passou de 25.000 wons (R$ 162) para 75.000 wons (R$ 486) por quilo.
  • Açúcar: subiu de 10.000 wons (R$ 65) para 40.000 wons (R$ 260).
  • Carne de porco: saltou de 30.000 wons (R$ 195) para 87.000 wons (R$ 563) o quilo.

Com notas de 1.000 wons sendo comuns, comprar um quilo de açúcar exige 40 cédulas, um símbolo claro da corrosão do poder de compra.

A crise alimentar se intensifica

Produção agrícola insuficiente

A insegurança alimentar é uma realidade há anos na Coreia do Norte, mas se agravou recentemente. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU aponta que a produção agrícola local é insuficiente para atender à demanda, devido à escassez de fertilizantes, maquinário defasado e limitação de terras aráveis.

Impactos da pandemia e colheitas ruins

As paralisações decorrentes da COVID-19 afetaram ainda mais a agricultura. Colheitas ruins contribuíram para que a fome se tornasse mais presente, especialmente em regiões afastadas das grandes cidades.

Ações desesperadas para garantir comida

Militares vendem equipamentos por comida

Relatos recentes indicam que até soldados têm vendido equipamentos militares para comprar alimentos. A situação chegou ao ponto de aumentos nos crimes violentos ligados à fome, especialmente em zonas rurais, conforme apontado pela RFA.

A tentativa frustrada do governo de controlar a economia

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Imagem: gopixa/ Shutterstock.com

Aumento salarial que não surtiu efeito

Em janeiro de 2023, o governo norte-coreano aumentou os salários estatais de 2.000 wons para 30.000 wons mensais. A medida buscava enfraquecer os jangmadang — mercados paralelos informais — incentivando os cidadãos a dependerem novamente dos salários governamentais.

Contudo, a inflação rapidamente anulou o ganho real. Os salários maiores apenas acompanharam os novos preços:

  • Sal: de 500 wons (R$ 3,25) para 2.000 wons (R$ 13).
  • Ovos: de 800 wons (R$ 5,20) para 2.000 wons.

Calçados viram artigos de luxo

Até itens essenciais como calçados sofreram aumentos exorbitantes. Um par de tênis da Fábrica de Sinuiju, que custava 19.800 wons (R$ 129), agora é vendido por até 170.000 wons (R$ 1.104) no mercado negro.

“Em vez de melhorar a subsistência das pessoas, o aumento salarial apenas tornou a vida diária ainda mais difícil”, comentou um morador à RFA.

Causas estruturais da crise

Isolamento internacional e sanções econômicas

A Coreia do Norte continua sob sanções internacionais severas, impostas pelos EUA, ONU e União Europeia. Essas medidas restringem o comércio e o acesso a bens e tecnologias essenciais, afetando setores agrícolas, industriais e de energia.

Dependência da China

A China é o maior parceiro comercial da Coreia do Norte, e a desvalorização do won frente ao yuan impacta diretamente a importação de bens chineses, tornando-os ainda mais caros e inacessíveis à população.

Economia baseada em controle estatal

Com um modelo centralizado e fechado, a economia norte-coreana não consegue reagir com flexibilidade a choques externos, como crises globais ou eventos climáticos. Isso agrava as consequências da escassez e da inflação.

Como a população tenta sobreviver

Jangmadang: o coração da economia paralela

Os jangmadang, mercados informais espalhados por todo o país, são a principal fonte de bens de consumo para grande parte da população. Neles, é possível encontrar alimentos, roupas e até remédios — tudo a preços que variam segundo a flutuação do won nos mercados paralelos.

Moedas estrangeiras como alternativa

Algumas transações em dólares americanos ou yuanes chineses ocorrem, apesar das restrições legais, como forma de tentar preservar valor. Ainda assim, poucos cidadãos têm acesso regular a essas moedas.

A ascensão do mercado negro

Com a crise, o mercado negro ganha força, abastecido por corrupção, contrabando e até participação de militares e funcionários públicos, que buscam alternativas para complementar sua renda.

O impacto humanitário e os riscos futuros

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Imagem: Denys Kurbatov/Shutterstock.com

Aumento da fome e desnutrição

Com preços inalcançáveis e colheitas insuficientes, o país enfrenta níveis críticos de desnutrição. Crianças e idosos são os mais afetados, com relatos alarmantes de famílias reduzindo refeições para sobreviver.

Tensões internas e riscos de instabilidade

Embora o regime mantenha forte controle político e repressivo, a insatisfação popular cresce silenciosamente. Relatos de roubos, protestos isolados e deserções indicam um ambiente cada vez mais instável.

Conclusão: Uma crise sistêmica sem solução à vista

A combinação de isolamento internacional, falhas estruturais, inflação descontrolada e insegurança alimentar faz da atual situação na Coreia do Norte uma das mais críticas do século XXI. Sem mudanças significativas — tanto internas quanto externas —, o país caminha para um cenário humanitário ainda mais grave.

Enquanto o governo evita divulgar dados e insiste em uma retórica de autossuficiência, a população luta, diariamente, por acesso à comida, saúde e dignidade.

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