
Mesmo sob investigação por fraudes, entidades que realizam descontos diretos nas aposentadorias do INSS arrecadaram mais de R$ 2,1 bilhões entre abril de 2024 e março de 2025.
A denúncia, revelada por um levantamento do portal Metrópoles, traz à tona a persistência de irregularidades envolvendo mensalidades associativas cobradas sem autorização dos beneficiários.
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CGU e PF apontam indícios graves de irregularidade
Há mais de um ano, o mesmo portal denunciou o aumento exponencial das receitas de associações conveniadas ao Instituto Nacional do Seguro Social. Mesmo com alertas da Controladoria-Geral da União (CGU) e com a abertura de procedimentos internos pelo INSS, as entidades investigadas seguem operando normalmente e mantendo seus acordos de cooperação técnica com o instituto.
Segundo auditoria da CGU, dos 1.273 aposentados ouvidos, 98% afirmaram jamais ter autorizado os descontos. Esses dados constam em um relatório entregue ao INSS, Polícia Federal e outros órgãos de controle. Ainda assim, apenas uma entidade teve o convênio encerrado, e justamente a que menos havia arrecadado.
Receita bilionária com mensalidades não autorizadas
As 23 entidades sob investigação movimentaram, juntas, mais de R$ 2,1 bilhões em apenas 12 meses. Essa arrecadação expressiva veio por meio de descontos em folha feitos diretamente nos benefícios de aposentados, antes mesmo do depósito mensal. Muitas dessas cobranças ocorrem sem consentimento formal ou sequer conhecimento prévio por parte dos beneficiários.
Casos reais de aposentados lesados
O drama de Walter: “Nem sei como fazer assinatura digital”
O caso de Walter, aposentado que prefere não revelar o sobrenome por medo de retaliações, ilustra bem o problema. Em 2024, ele descobriu descontos mensais de R$ 77,60 referentes a uma entidade da qual nunca tinha ouvido falar. Ao buscar reembolso, foi surpreendido com a exigência de uma foto do seu RG e com a apresentação de uma suposta assinatura — inclusive digital — que, segundo ele, jamais fez.
“Não sei nem onde nem como fazer isso. Ou seja, mais uma tentativa de tirar dinheiro do aposentado”, relatou Walter. Seu advogado, ao comparar com assinaturas oficiais, constatou que a grafia apresentada pela entidade em nada se assemelha com a real.
Valdir também foi vítima: falsificação e tentativa de silenciar perícia
Outro exemplo é o de Valdir Prado, de Barretos (SP), que teve valores descontados pela União Brasileira dos Aposentados da Previdência (Unibap), sediada no Distrito Federal. A entidade apresentou à Justiça um contrato com assinatura que Valdir afirma ser falsa. Solicitou-se perícia para comprovar, mas a associação se recusou a pagar os custos do exame técnico — prática comum, segundo advogados especializados nesse tipo de ação.
Sem a produção da prova pericial, o juiz entendeu que valia o depoimento do aposentado, o que resultou em uma multa de R$ 3 mil à entidade.
INSS segue lento diante das denúncias

Acordos de cooperação seguem vigentes
Apesar das evidências levantadas, o INSS não tem tomado medidas efetivas contra as associações envolvidas. Os acordos que permitem os descontos em folha continuam ativos para praticamente todas as entidades citadas nas auditorias. Essa inação levanta questionamentos sobre a eficácia dos mecanismos de fiscalização e a responsabilidade institucional na proteção dos direitos dos aposentados.
Falta de transparência e burocracia dificultam ressarcimento
Muitos aposentados relatam a dificuldade de obter reembolso, mesmo após comprovar que não autorizaram os descontos. Em diversos casos, as entidades exigem documentação excessiva, retardam os processos e até tentam intimidar os beneficiários. Além disso, há um número crescente de ações judiciais em que os aposentados recorrem à Justiça para recuperar valores descontados indevidamente.
Órgãos de controle pressionam por mudanças
CGU e Polícia Federal recomendam revisão nos convênios
A Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal vêm pressionando o INSS a rever sua política de convênios com associações. Uma das recomendações é o estabelecimento de critérios mais rígidos para autorização de descontos, com necessidade de validação biométrica ou autenticação por canais oficiais do governo.
Além disso, há sugestões de criar um sistema unificado e transparente onde o aposentado possa consultar — e autorizar ou cancelar — qualquer tipo de desconto direto na folha. Hoje, esse processo é pouco acessível e sujeito a falhas.
Aposentados seguem em risco
Enquanto as investigações se arrastam e os convênios permanecem vigentes, milhões de aposentados brasileiros continuam vulneráveis a cobranças indevidas que comprometem a renda já apertada. Muitos sequer percebem os descontos ou não sabem a quem recorrer, o que favorece a perpetuação das fraudes.
Justiça como última alternativa
O Judiciário tem se mostrado a única via efetiva para interromper os abusos. No entanto, o acesso à Justiça é limitado para grande parte dos aposentados, e o tempo de tramitação de processos dificulta uma solução rápida para quem já enfrenta dificuldades financeiras.
Conclusão
O escândalo dos descontos indevidos nas aposentadorias do INSS evidencia um grave problema de fiscalização, transparência e proteção aos aposentados. Mesmo após auditorias, reportagens investigativas e denúncias formais, as entidades suspeitas seguem operando com aval institucional, colocando em xeque a credibilidade do sistema de benefícios previdenciários no Brasil.
É urgente que medidas concretas sejam adotadas para garantir que o dinheiro dos aposentados não continue escorrendo por brechas administrativas e jurídicas.
Imagem: Freepik e Canva