
O Sistema Único de Saúde (SUS) iniciou, em 2025, a substituição progressiva do tradicional exame de papanicolau pelo teste molecular de DNA-HPV para rastreamento do câncer do colo do útero. A medida é considerada um marco na política de saúde pública no Brasil e segue recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que desde 2021 indica o novo método como mais eficaz.
A mudança é coordenada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e visa aumentar a sensibilidade da triagem, garantir diagnósticos mais precoces e ampliar o intervalo de coleta em casos negativos, passando de três para cinco anos.
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Por que o DNA-HPV é mais eficaz?

O papel do HPV no câncer do colo do útero
O papilomavírus humano (HPV) é responsável por mais de 99% dos casos de câncer cervical. Por isso, a detecção precoce do vírus — sobretudo dos subtipos de alto risco — é fundamental para prevenir o desenvolvimento da doença.
O teste de DNA-HPV analisa diretamente a presença do material genético do vírus, o que permite:
- Maior sensibilidade na detecção do HPV
- Identificação dos subtipos virais de maior risco
- Diagnóstico mais preciso e precoce
- Redução do número de exames desnecessários
Valor preditivo negativo e segurança para pacientes
De acordo com o pesquisador Itamar Bento, do Inca, o exame de DNA-HPV apresenta forte valor preditivo negativo. Isso significa que um resultado negativo garante uma baixa probabilidade de doença, permitindo maior tranquilidade para a paciente e maior intervalo entre as coletas.
“Com um exame de alta sensibilidade, conseguimos rastrear de forma mais eficaz e espaçar os exames em até cinco anos, caso o resultado seja negativo. Isso representa um ganho tanto para o sistema de saúde quanto para as pacientes”, afirma Bento.
Como funciona o novo modelo de rastreamento?
Do modelo oportunístico ao rastreamento organizado
Até então, o rastreamento era feito de forma oportunística: dependia da iniciativa da própria paciente para procurar o serviço de saúde. Com a nova diretriz, o SUS implementa um modelo organizado e ativo, no qual o sistema de saúde identifica e convoca as mulheres na faixa etária recomendada para a realização do teste.
Público-alvo
O público-alvo permanece o mesmo:
- Mulheres e pessoas com colo do útero, de 25 a 49 anos
- Sem sintomas aparentes ou suspeitas de infecção
- Com histórico de relações sexuais
Com o novo teste, espera-se ampliar a cobertura em regiões que tradicionalmente apresentam baixa adesão e diagnóstico tardio.
Inovações tecnológicas e inclusivas
Autocoleta: mais acesso e menos barreiras
Uma das principais inovações das novas diretrizes é a possibilidade de autocoleta de material para o exame. Essa medida é voltada para:
- Pessoas em comunidades isoladas
- Mulheres com dificuldades de acesso a serviços de saúde
- Pacientes que enfrentam barreiras culturais ou emocionais
Essa estratégia, que já mostrou eficácia em programas-piloto, pode ampliar significativamente a cobertura do rastreamento em regiões remotas.
Inclusão de grupos historicamente negligenciados
As novas diretrizes também são mais inclusivas e respeitosas à diversidade de gênero. Estão contempladas no plano de rastreamento:
- Pessoas transgênero com colo do útero
- Pessoas não binárias
- Indivíduos intersexuais
O objetivo é garantir que todas as pessoas com risco de desenvolver câncer cervical tenham acesso a cuidados adequados, respeitando suas identidades e especificidades.
Impacto esperado na saúde pública
Cobertura ainda insuficiente
Segundo dados do Sistema de Informação do Câncer (Siscan), a cobertura do papanicolau entre 2021 e 2023 foi considerada insuficiente em diversos estados. Em algumas regiões, os resultados dos exames demoravam mais de 30 dias para serem entregues — tempo suficiente para comprometer o início precoce do tratamento.
Expectativa com o novo modelo
Com o exame de DNA-HPV e o rastreamento ativo, espera-se:
- Reduzir o tempo entre coleta e diagnóstico
- Aumentar a cobertura populacional
- Melhorar o direcionamento dos casos positivos para colposcopia
- Diminuir a mortalidade por câncer do colo do útero
Etapas da implementação do DNA-HPV no SUS
Aprovações técnicas e políticas
As novas diretrizes já receberam o aval de comissões técnicas e científicas vinculadas ao Inca e ao Ministério da Saúde. A avaliação final da pasta da Saúde é o último passo antes da implementação nacional definitiva.
Implementação gradual
A mudança será feita gradualmente e com base na estrutura de cada município. Centros de saúde já capacitados serão os primeiros a adotar o novo modelo, enquanto outras localidades passarão por etapas de treinamento e aquisição de equipamentos.
Papel da Atenção Básica
A Atenção Primária à Saúde será a porta de entrada para o novo exame, sendo responsável por:
- Identificação da população-alvo
- Convocação ativa das pacientes
- Realização da coleta ou distribuição dos kits de autocoleta
- Acompanhamento e encaminhamento de casos positivos
O que muda na rotina da paciente?
Antes: papanicolau a cada 3 anos
Com o exame citopatológico tradicional, a recomendação era de um exame a cada três anos, após dois resultados negativos consecutivos. Esse método, embora eficiente, tem menor sensibilidade e depende muito da qualidade da coleta e da interpretação dos resultados.
Agora: DNA-HPV a cada 5 anos (se negativo)
Com o novo modelo:
- Intervalo de coleta passa para cinco anos (em caso de resultado negativo)
- Maior segurança e conforto para a paciente
- Menor número de exames ao longo da vida
- Redução de falsos negativos
Uma revolução silenciosa, mas transformadora

A adoção do exame de DNA-HPV pelo SUS marca uma evolução silenciosa, porém decisiva, na luta contra o câncer do colo do útero no Brasil. Com maior eficácia, intervalos mais amplos e foco em inclusão e acessibilidade, o país dá um passo importante para reduzir uma das principais causas de morte entre mulheres.
Para que o sucesso seja pleno, será essencial investir na capacitação dos profissionais de saúde, na comunicação com a população e na organização logística dos serviços.
O câncer do colo do útero é evitável — e o novo exame pode ser a chave para transformar essa promessa em realidade para milhões de brasileiras.