
A Polícia Civil de Santa Catarina (PC-SC) revelou, por meio da Operação Fakemetria, uma sofisticada fraude que envolveu o uso indevido de biometria facial de clientes da operadora Claro em Joinville.
O golpe foi conduzido por um funcionário de uma loja autorizada da empresa, que coletava as imagens faciais de consumidores sob o pretexto de procedimentos rotineiros da operadora, mas usava esses dados para abrir contas em bancos digitais e contratar empréstimos no nome das vítimas.
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Como o golpe era aplicado
Segundo as investigações, o suspeito pedia aos clientes que tirassem uma foto para o cadastro de linhas telefônicas, uma prática comum e muitas vezes exigida pelas operadoras. No entanto, ele utilizava essas imagens para acessar aplicativos de bancos digitais, criar contas e solicitar microcréditos em nome das vítimas.
O golpe era ainda mais sofisticado em casos em que o funcionário alegava problemas técnicos e usava seu próprio celular para “refazer” a foto — na verdade, para aplicar a biometria diretamente no app bancário.
Escolha das vítimas com base em crédito
O funcionário se aproveitava das informações fornecidas pelo sistema da própria operadora, que indicava a pontuação de crédito dos clientes. Assim, ele priorizava aqueles com maior probabilidade de aprovação de crédito. “Era possível selecionar vítimas com base na chance de sucesso do golpe”, relatou Cristiane Berger, gerente do Procon de Joinville.
Prejuízo financeiro acumulado
Segundo o delegado Vinícius Ferreira, da Delegacia de Combate a Estelionatos de Joinville, foram identificadas 80 vítimas até o momento, todas com empréstimos contratados em seus nomes sem consentimento. A média dos empréstimos girava em torno de R$ 4 mil, totalizando um prejuízo estimado em pelo menos R$ 320 mil — podendo ser maior com o avanço das investigações.
Suspeito foragido e nenhuma prisão até o momento
A operação foi deflagrada em 7 de abril de 2025, mas o suspeito já havia deixado o emprego e saído da cidade de Joinville antes da ação policial. Até o momento, ninguém foi preso. A Claro afirmou à polícia que desconhecia o esquema. A empresa foi procurada para comentar o caso, mas ainda não se manifestou.
Bancos digitais no centro da polêmica
Falhas nos sistemas de segurança
De acordo com o delegado responsável, a fraude foi facilitada por brechas em sistemas de autenticação de alguns bancos digitais. “O acesso ao crédito é muito fácil, o que por si só não é um problema. A questão é a fragilidade nos mecanismos de segurança”, explicou Ferreira.
Entre as instituições envolvidas estão Afinz, Will Bank e Digio. O Afinz informou que nenhum cliente foi lesado e que a empresa responsável pelo atendimento indenizou integralmente a instituição. Will Bank e Digio não responderam aos pedidos de esclarecimento.
Por que os golpes funcionam
Segundo especialistas, muitos bancos digitais ainda não utilizam ferramentas robustas para verificar a identidade dos solicitantes. Em alguns casos, nem mesmo o score de crédito é avaliado. Isso abre margem para criminosos aplicarem golpes com dados biométricos obtidos ilegalmente.
Como os consumidores podem se proteger

Sinais de alerta
Apesar da dificuldade de detectar o golpe, o delegado aponta alguns sinais que devem gerar desconfiança:
- Pedido de repetição da coleta de imagem diversas vezes, especialmente em ângulos ou poses diferentes;
- Fundo branco ou muito neutro na foto;
- Coleta feita por celular pessoal do atendente, e não por dispositivos da loja, como tablets.
Ferramentas de proteção
Os consumidores devem utilizar recursos como o Registrato, plataforma gratuita do Banco Central que permite consultar contas bancárias e empréstimos vinculados ao CPF. Qualquer movimentação desconhecida deve ser imediatamente contestada junto à instituição.
A importância da LGPD
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica a biometria facial como um dado sensível, o que exige critérios mais rígidos para sua coleta e uso. Seu artigo 11 permite a utilização para garantir segurança e prevenir fraudes, mas ressalta a necessidade de consentimento claro e informado.
Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o uso da biometria facial deve ser opcional e com alternativas ao consumidor. “Nenhum cliente deveria ser obrigado a fornecer uma imagem facial apenas para ter acesso a um serviço básico”, alerta o advogado Lucas Marcon, especialista em direitos digitais.
Responsabilidade das empresas
Mesmo sem envolvimento direto, a loja autorizada da Claro pode ser considerada corresponsável pelos danos sofridos pelos consumidores. Isso porque, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, fornecedores respondem solidariamente por falhas na prestação de serviço.
O caso escancara uma lacuna grave na governança de dados pessoais, especialmente em ambientes de atendimento ao público, e reforça a urgência de medidas de proteção reforçadas.
O que diz a ANPD

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) declarou que está desenvolvendo uma regulamentação específica para o uso de biometria facial. A previsão é que um novo instrumento normativo seja apresentado até dezembro de 2025.
A ANPD reafirma seu compromisso com a proteção da privacidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, destacando que está aberta ao diálogo com entidades públicas e privadas.
Imagem: Alison Nunes Calazans / shutterstock.com