Teuda Bara apresenta espetáculo ‘Luta’ em BH; memórias da atriz se confundem com a história do país

Repassar e refazer o fio da memória são alternativas para desatar os ‘nós’, que, por vezes, formam os imbróglios do passado. A memória não apenas revive o que já existiu, mas pode transformar o porvir. É nessa toada que surgem alguns dos projetos artísticos estrelados por um dos maiores ícones do teatro brasileiro, Teuda Bara. Aos 82 anos, a atriz mineira e co-fundadora do Grupo Galpão, recria o fio que liga a sua trajetória na arte e, inevitavelmente, à história política e cultural do Brasil.

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Para compartilhar um gostinho dessas lembranças, Teuda abriu as portas da sua casa ao BHAZ. Ela conta que um dos entrelaces desta linha temporal acontece nesta sexta-feira (18), com a transformação do Teatro Sesiminas, na região Leste de Belo Horizonte, no ringue de ‘Luta’. O solo, criado pelo jornalista João Santos e que estreou em 2019, retorna aos palcos da capital mineira, após circular em centros culturais e ser interrompido pela pandemia de Covid-19. “O espetáculo, para quem não conhece, é a luta pela vida, pela sobrevivência”, afirma a artista ao BHAZ

Naquele contexto, de acordo com Teuda, a peça foi uma resposta ao corte dos patrocínios do Galpão pelo Governo Federal, na época chefiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Eu estava em São Paulo, no olho do furacão, e liguei para João pedindo que ele fizesse algum trabalho para mim. Precisava fazer alguma coisa, tinha que trabalhar, pois não tinha incentivo”, relembra.

‘Luta’ também marca outra parceria da dupla, algo já corriqueiro. Afinal, João publicou, em 2016, ‘Teuda Bara: Comunista demais para ser chacrete’, biografia da artista e livro que norteou a criação da peça. Além disso, em 2020, a atriz contracenou com o filho Ademar Fernandes o espetáculo ‘Doida’, primeiro trabalho teatral que o dramaturgo escreveu. Inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade, a montagem foi dirigida por Inês Peixoto. 

“Fomos apresentar o ‘Doida’ no ZAP 18 e a Cida Falabella, uma das fundadoras do espaço, gostou muito da peça. O João aproveitou a oportunidade para presenteá-la com o livro e, depois que a Cida leu, ela falou: ‘isso aqui dá um espetáculo’. Como eu já tinha dito que precisava de um trabalho, ele fez ‘Luta’ baseado na biografia”, conta a atriz, que já fez dezenas de trabalhos no teatro, TV e cinema, além de, por quatro anos, integrar equipe do Cirque du Soleil. 

Teuda Bara, em ‘Luta’ (Luiza Palhares)

Fio da memória

Em ‘Luta’, espetáculo que também tem direção e dramaturgia de Marina Vieira e Cléo Magalhães, Teuda sobe no ‘ringue’ e conta as histórias da própria vida e, claro, dos mais de 40 anos de carreira. De Chacrinha a Getúlio Vargas, de Nossa Senhora do Rosário à maconha, da ditadura ao desbunde, os casos da atriz se confundem com a própria história do país e, principalmente, do teatro brasileiro. 

“Vivi muitas coisas. Por exemplo, eu nasci na Guerra, passei pelos anos dourado e anos de chumbo, entendeu? A ditadura inteira e o processo de redemocratização, vivi isso tudo. Também passei por aquele período em que queriam mudar o presidencialismo para o parlamentarismo. Até hoje lembro da musiquinha: ‘parlamentarismo não, o povo tem razão, eu vou dizer que não’, cantarola. 

O processo de narrar esses ‘causos’, para Teuda, é natural, já que é uma contadora de histórias nata e, por isso, eles não precisaram ser adaptados pelos diretores. “Gosto demais disso. Se eu for contar caso da Fafich serão ‘sei lá quantos’, porque vai acontecendo. O do Chacrinha mesmo, no dia que falei lá no Galpão, todo mundo ficou me olhando, sabe? É essa coisa de ser contadeira de histórias”, afirmou a artista, que, na juventude, estudou Ciências Sociais na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Por isso que digo que essas histórias do espetáculo são a luta da vida. Vou contando as minhas lembranças de menina, do meu tempo no colégio interno, os desejos da minha mãe para que eu me tornasse irmã de caridade, e do meu pai que já queria que eu fosse secretária executiva (risos)”, ressalta a artista, cheia de carisma e dona de uma gargalhada frouxa.

Batalha para a construção de um futuro iluminado

O intuito de ‘Luta’, por sua vez, é ser uma ‘batalha’ que aborde menos sobre o passado, e mais sobre a construção de um futuro, que anseia ser iluminado. E para melhorar, a jornada não é feita sozinha, já que Teuda, de forma voluntária, trouxe os diretores para dentro do espetáculo. “Para mim, é um sossego porque são muitos casos e eles me guiam. Por exemplo, quando o Cléo diz ‘vai Dercy’, já sei qual será a história seguinte. Eles vão me conduzindo de uma forma muito teatral”, explica a artista que se diverte com o jogo de cena. 

Durante a conversa com o BHAZ, ainda, Teuda compartilhou algumas memórias das travessuras da sua pré-adolescência. Naquela época, ela estudava em um colégio religioso, onde era necessário rezar ao acordar, ao trocar de roupa, antes do café da manhã, na capela da instituição, além das orações durante o jantar. Em suas palavras, “foi reza para uma vida toda”. Ela também recordou o dia 24 de agosto de 1954, quando Getúlio Vargas cometeu suicídio, e ela, ‘pagou o pato’, ao precisar faxinar todo o dormitório da escola, usando até areia para arear o chão. Quanto ao Chacrinha, Teuda, não deu trégua, para entender a conexão dela com um dos maiores comunicadores do Brasil, é preciso ir ao teatro assistir à peça.

Para ela, retornar aos palcos com o espetáculo é uma “alegria imensa”, pois o teatro proporciona um momento de partilha entre o ator e o público. “O teatro te põe na vida, te puxa de uma forma muito boa. Ele tem música, dança, tem tudo. Acho que é preciso estar muito focado naquilo que você está fazendo. Você trabalhará o corpo, lerá literatura, poesia, estudará um instrumento. É vivo, eu me sinto muito viva”, afirma a artista que se prepara para um novo espetáculo do Galpão. 

Fabiano Lana/Divulgação

Segundo round

O fio da memória da artista não se limitou ao espetáculo e se estendeu para dois projetos audiovisuais: o curta-metragem “Ressaca” e a minissérie “Tá lembrada, Teuda Bara?”. O primeiro trabalho ainda não está disponível ao público, mas já recebeu menção honrosa do 52º Festival de Cinema de Gramado. 

O filme, dirigido por Pedro Estrada e roteiro de João Santos, acompanha as lembranças de Teuda durante sua toalete matinal. Teuda não só revela a personalidade e carisma únicos, mas também encena a própria vida, se inspirando em personagens interpretados ao longo da carreira. “Ressaca” foi gravado, inclusive, no banheiro da casa da artista, no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul de BH. 

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“Foi uma algazarra! Entrou todo mundo para dentro do meu banheiro, tinha umas 20 pessoas e, de repente, começou a sair um tanto de espuma do vaso sanitário. A casa virou uma loucura só”, afirma a atriz. Ela ainda contou que a “bagunça” se estendeu e foi parar na casa da Ângela, a sua vizinha de porta. “Fizemos o camarim lá, onde o pessoal arrumava e descansava. Era todo mundo passando vestido e maquiado pelo corredor do prédio”, disse a artista enquanto vibrava na gargalhada.

O intuito de ‘Ressaca’ é se tornar um longa-metragem híbrido. ‘Balbúrdia’ vai “costurar” aspectos documentais com elementos ficcionais, criando uma narrativa única sobre a vida da artista. O curta-metragem esteve recentemente no Festival do Rio, no início deste mês. 

Já ‘Tá lembrada, Teuda Bara?’ é uma homenagem feita pelo Grupo Galpão, companhia teatral que a atriz ajudou a fundar em 1982. A minissérie, que contará com 10 episódios e estreou nessa última segunda-feira (14), reúne vários amigos e parceiros de Teuda para relembrar momentos icônicos de suas trajetórias. “Fui pega de surpresa. Eles combinaram tudo e foram me avisar uma semana antes de iniciar a gravação. Foram dois dias intensos aqui na minha casa, foi tudo maravilhoso”, conta. 

O primeiro contou com a participação de Tutti Maravilha, jornalista, produtor cultural e apresentador do Bazar Maravilha, da rádio Inconfidência. Novos episódios serão publicados toda segunda-feira até finalizar a minissérie, e poderão ser conferido nas redes sociais do Grupo Galpão. 

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“Eu nunca esperei coisas assim. As pessoas me têm no imaginário delas e gostam de mim. Já ouvi várias vezes jovens falando que começaram a fazer teatro por minha causa. Fico muito empolgada com isso, me deixa muito feliz” finalizou. 

Anota aí!

Espetáculo ‘Luta’
Local: Teatro Sesi Minas | R. Padre Marinho, 60 – Santa Efigênia, BH.
Data: 18 de outubro
Horário: sexta, às 20h
Ingressos: a partir de R$ 40 | Sympla

Minissérie ‘Tá lembrada, Teuda Bara?’
Onde? Nas redes sociais do Grupo Galpão
Quando? Toda segunda-feira, até acabar a série

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