Crítica: “Milton Bituca Nascimento” é elogio poético ao músico

De trens a travessias, Milton Nascimento cruzou fronteiras com sua arte. Desafiou a leitura tradicional de qualidade e o entendimento ultrapassado de estilos musicais. Deixou sua marca em várias gerações de músicos, brasileiros e estrangeiros. Celebrando uma trajetória memorável, o documentário “Milton Bituca Nascimento” mostra um pouco dessa carreira de forma poética. O longa-metragem dirigido por Flavia Moraes chega no dia 20 de março aos cinemas.

Usando uma figura típica das criações de Milton, o filme traz a imagem e o som do trem. Símbolo de partidas e viagens, presente em diversas músicas, o trem vai cruzando as quase duas horas de documentário. Assim como o eco, que trouxe uma dinâmica à musicalidade do artista. Cenas com sua voz duplicada resgatam essa história de que, na infância, se interessava pelo eco de cavernas. Cenas de um garoto representando Milton descobrindo esses sons, depois contracenando com o próprio músico, dão o tom poético que segue pelo filme.

Internacional

“Milton Bituca Nascimento” cita as dificuldades do artista em se locomover, mas sem explicar questões de saúde, focando mais na sua insistência em vencer os desafios pelo amor à arte. A voz de Fernanda Montenegro narra essas trajetórias, sem explicar datas ou momentos muito pontuais. O texto é todo poético, elogioso. Assim como as entrevistas.

A primeira parte do filme traz diversos artistas revelando a genialidade de Milton no entendimento muito particular que ele faz de musicalidade. Assim como sua voz. Um momento emocionante é Wayne Shorter, icônico jazzista estadunidense, mostrando o quando admira Milton. Shorter gravou o disco “Native Dancer” com o brasileiro em 1974. Ele compara a voz de Milton com Miles Davis, um dos mais lendários músicos de jazz da história.

O longa demonstra como mesmo pessoas que não entendem português se emocionam com as canções de Bituca, como por exemplo, Herbie Hancock.

Brasil

O filme volta ao Brasil com Milton. Sua última turnê, “A Última Sessão de Música”, ganha destaque, mostrando estádios lotados e o preparo para os shows. Além de resgatar momentos importantes, “Milton Bituca Nascimento” traz entrevistas com grandes artistas como Sergio Mendes, Chico Buarque, Gilberto Gil e Simone, assim como gerações mais novas como Maria Gadu e Tim Bernardes. Isso comprova o impacto que Bituca teve por diferentes gerações.

A forma como o cantor e compositor trazia figuras nacionais e valorizava culturas negras e dos povos originários também ganha destaque. Nomes como Mano Brown e Criolo marcam a importância da arte de Milton para a cultura negra. O eco se repete com vários entrevistados lendo “Morro Velho”, grande canção do artista.

Emoção

O filme é carregado de momentos bonitos e trazendo a potente voz de Fernanda Montenegro, o que intensifica a poeticidade das cenas. Imagens que caminham entre a simplicidade e o marcante vão ganhando a tela. Algumas entrevistas acontecem em estúdio, mas outras vão por um caminho no parque, por exemplo, dão dinamismo e revelam a beleza do dia a dia, como uma música de Milton.

Algumas escolhas acabam tirando a potência de “Milton Bituca Nascimento”. O filme traz muitos elogios ao artista, mas por vezes se esquece de colocar nome e lugar nas situações. Pessoas menos conhecidas do público brasileiro podem passar despercebidas, sem destacar a importância dessas figuras em venerar Milton. Por exemplo, Fito Páez, um dos maiores nomes do rock argentino, fala do impacto do “Clube da Esquina” em sua carreira. Mas o filme mal fala de onde ele é ou sua relevância musical, o que perde a potência do relato.

Milton cruzou fronteiras com sua arte, de espaço e de tempo, mas ao deixar de lado a demonstração prática disso, o filme se deixa perder em relatos. “Milton Bituca Nascimento” não está preocupado em traçar linhas do tempo ou revelar detalhes pessoais. Até quando fala da fragilidade da saúde do artista, não é muito claro. Nem ao menos se debruça muito sobre o apelido Bituca. Assim, acaba sendo um filme muito bonito, um elogio poético encantador, mas que se fecha apenas para os iniciados, não funciona tão bem como uma porta de entrada para quem ainda tem a possibilidade de se encantar por Milton Nascimento.

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