Empresários do setor lotérico estão em alerta em todo o Brasil. Um novo tipo de golpe tem causado prejuízos significativos, principalmente na região de Campinas (SP), onde quadrilhas altamente organizadas vêm utilizando técnicas de engenharia social para enganar funcionários e desfalcar empresas com transferências e pagamentos fraudulentos.
A prática criminosa envolve o uso de fotos dos proprietários das lotéricas, geralmente extraídas de redes sociais, para se passar por eles em aplicativos de mensagens. Os golpistas, então, enviam ordens falsas aos funcionários, solicitando pagamentos de boletos ou transferências bancárias em nome da empresa.
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Caso 1: prejuízo de R$ 25 mil em plena hora do almoço
Um dos casos registrados em 2023 envolve o empresário Dailton Sobral, sócio de duas lotéricas em Campinas. Durante o horário de almoço, uma funcionária recebeu mensagens com fotos de Dailton e de um amigo próximo. As imagens foram usadas para reforçar a autenticidade da ordem, o que levou a funcionária a realizar 25 transferências para diferentes contas, totalizando R$ 25 mil.
Mesmo após o registro de boletim de ocorrência e o aviso imediato à Caixa Econômica Federal, segundo Dailton, nenhuma providência efetiva foi tomada pela instituição bancária.
Caso 2: mais de R$ 350 mil perdidos em poucas horas
Mais recentemente, outro empresário do setor, que preferiu não se identificar e será chamado aqui de Carlos, sofreu um golpe ainda mais grave. Em apenas uma tarde, entre 14h e 18h do dia 5 de março, uma funcionária da sua lotérica pagou 83 boletos fraudulentos, acumulando um prejuízo de R$ 353 mil.
A fraude foi descoberta apenas no fim do expediente, quando a funcionária, sem saber do golpe, entrou em contato com o empresário para confirmar se deveria continuar os pagamentos no dia seguinte. Carlos, surpreso, respondeu que não havia solicitado nenhuma transação, momento em que se deu conta do golpe.
O impacto emocional e financeiro
Consequências graves para os empresários
Carlos relata que, além do prejuízo financeiro, enfrentou sérios problemas emocionais. “Desenvolvi síndrome do pânico, fico ansioso o tempo todo com medo de acontecer de novo”, desabafa.
Para evitar o fechamento da lotérica e cumprir as exigências contratuais da Caixa, ele precisou recorrer a empréstimos com amigos e familiares para repor o valor perdido no mesmo dia. “Se não fizéssemos isso, a unidade seria fechada e a dívida viraria uma bola de neve.”
Funcionária demitida por justa causa
A funcionária responsável pelos pagamentos foi desligada por justa causa. Segundo o empresário, ela não tinha autorização para seguir ordens via mensagens de texto. “O número tinha DDD de outro estado, mas na hora tudo acontece muito rápido. Além disso, os golpistas ofereciam ‘gratificações’ para cada boleto pago, o que pode ter colaborado para a decisão precipitada da funcionária”, explicou.
Falhas no sistema de segurança?
Caixa Econômica diz que sistema funcionou corretamente
A Caixa possui um sistema de monitoramento que, segundo relatos dos empresários, deveria travar transações acima da média de movimentações da lotérica. No entanto, no caso de Carlos, a trava não foi acionada.
A instituição afirma que não houve qualquer falha sistêmica e reiterou que a responsabilidade pelas transações é exclusiva dos permissionários. Em nota, declarou ainda que oferece treinamentos e manuais com instruções específicas para prevenção de fraudes.
Golpe tem se tornado comum na região
Segundo Carlos, casos semelhantes são relatados com frequência por outros empresários da área. “Fazemos parte de um grupo de lotéricos da região e, todos os dias, alguém compartilha prints de mensagens com tentativas de golpe. Virou rotina.”
O medo de novos ataques e a sensação de insegurança abalam o funcionamento das unidades e comprometem a saúde mental dos envolvidos.
Como o golpe funciona

Etapas principais do golpe aplicado em lotéricas:
- Coleta de informações pessoais:
Os golpistas obtêm fotos e dados dos empresários através de redes sociais e sites públicos. - Criação de perfil falso:
Com os dados, criam um perfil com o nome e a foto do proprietário da lotérica em aplicativos de mensagens. - Abordagem aos funcionários:
Usando tom autoritário e mensagens urgentes, pedem a realização de pagamentos e transferências em nome da empresa. - Promessa de recompensa:
Em alguns casos, oferecem gratificações por tarefa concluída, o que facilita a adesão do funcionário ao golpe.
Como se proteger
Dicas para empresários do setor lotérico
- Reforce o treinamento de funcionários:
Oriente sua equipe a nunca realizar transações sem confirmação por ligação direta com o proprietário. - Crie protocolos internos de segurança:
Estabeleça regras claras para pagamentos e movimentações financeiras. - Desconfie de urgência e recompensas:
Mensagens que exigem ações imediatas ou oferecem bônus costumam ser indicativo de fraude. - Restrinja informações nas redes sociais:
Evite publicar fotos ou dados que possam ser utilizados por criminosos. - Verifique os números de contato:
Desconfie de mensagens vindas de números com DDDs desconhecidos ou fora do padrão local.
Considerações finais
O golpe que afeta empresários de casas lotéricas é um exemplo alarmante de como a tecnologia pode ser usada de forma maliciosa para enganar e causar prejuízos substanciais. A falta de uma resposta mais efetiva das instituições bancárias e a fragilidade dos sistemas de segurança agravam ainda mais a situação.
Enquanto os criminosos seguem aplicando o mesmo modus operandi em diferentes locais, os empresários se veem sozinhos, enfrentando consequências financeiras e emocionais devastadoras. A atenção redobrada, o fortalecimento dos protocolos internos e a comunicação clara com as equipes podem ser as únicas barreiras contra esse tipo de crime que cresce a cada dia.
Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil